quinta-feira, 20 de dezembro de 2007





O dia em que o Weihnachtsmann apareceu de verdade!



Quem me contou foi o meu amigo Ivo Hadlich, aqui de Blumenau. Eles eram pequenos, cinco criancinhas em torno de uma mãe e de um pai, a esperarem a chegada do Natal e do Weihnachtsmann, todos dentro daquela emoção que toma conta da gente até hoje, quando o Natal está chegando. Pelas contas que fizemos, deve fazer uns 50 anos, tempo em que não havia loja de 1,99 cheinha de enfeites de Natal, nem neve artificial, e quando ainda eram caríssimas as bolas de vidro que tão facilmente se quebravam e deixavam um monte de finos cacos para entrarem na mão das crianças arteiras.
A mãe do Ivo, então, fazia as coisas da maneira antiga: enfeitava o pinheirinho com os doces-de-Natal mesmo, furados com uma agulha e pendurados na árvore, como frutos, para serem colhidos depois. Ele me contou o trabalhão que dava furar com uma agulha, também, duros grãos de milho, os mais coloridos possíveis, para formarem cordões que enfeitassem a árvore, bem como toda a criançada ajudava a fazer cordões de pérolas, com baguinha-de-Nossa-Senhora, para também embelezarem aquele símbolo maior numa casa, na época do Natal. E ainda se faziam pequenos bonecos de palha-de-milho, e eram colocadas velinhas coloridas por todo o pinheirinho, antes que a noite-de-Natal chegasse. Ficava o máximo o pinheirinho na casa do Ivo: não haveria Weihnachtsmann que não viesse até ali trazer presentes, só para ver coisa assim tão bem feita e linda!
E então chegou a noite-de-Natal de verdade, e quando as crianças entraram na sala, viram que o Weihnachtsmann viera mesmo! Sob a árvore enfeitada e agora com todas as velinhas acesas, estavam os pacotes com os presentes, que hoje ele sabe que eram coisas simples: carrinhozinhos de madeira, bonecas de pano, as coisas modestas que as crianças ganhavam então, naqueles tempos de antes do Consumismo.
E então todos se deram as mãos para cantar o Stille Nacht, a Noite Feliz de todo o mundo ocidental cristão, e o Ivo ainda se lembra muito bem como seu coração de menino muito pequeno batia violentamente, de tanta emoção... quando o incidente ocorreu! Nunca se soube como, mas alguma das velinhas coloridas deve ter caído, e o pinheiro todo se incendiou, e de árvore encantada um momento antes, transformou-se numa tocha que rugia e que queimava todos os enfeites e doces, e, de quebra, já foi incendiando as cortinas da janela e os presentes, e deixando todo o mundo apavorado com o que ocorria.
O pai do Ivo fez o que devia fazer, claro: buscou baldes com água, apagou tudo, salvou a casa. Mandadas para fora como garantia, as cinco crianças, abraçadas, choravam. O Weihnachtsmann viera e se fora, e mesmo assim eles tinham ficado sem Natal! Mas havia a mãe, claro, e as mães sempre salvam tudo. Era impraticável continuar o Natal naquela sala cheia de fuligem, água, e sobras da festa, e ela sabia o que ia nos coraçõezinhos dos seus filhos. Então chamou todos para fora, e o Ivo me jura que aquele foi o Natal mais bonito que ele teve na vida!
Havia uma grande noite de estrelas, lá fora – era como se o mundo todo tivesse se preparado para o Natal, era como se o céu tivesse se vestido de muitas velinhas para esperar a passagem do Weihnachtsmann que ainda deveria andar por ali por perto, visitando outras casas. A mãe do Ivo fazia questão das canções natalinas, e então, todos se deram as mãos de novo e começaram a cantá-las para as estrelas, a começar, claro, pelo Stille Nacht, bem de onde haviam parado. Já não tinham doces nem presentes, mas a noite mágica não foram perdida. E o Ivo jura que foi aquela a única vez em que viu o Weihnachtsmann de verdade: de repente, num caminho aberto entre as estrelas, lá ia ele, tocando um trenó puxado por renas, bem aquele trenó da qual certo refrigerante se apoderou, na década de 1930, quando resolveu inventar o Papai Noel. E o Weihnachsmann abanou, e o grande céu de estrelas ficou cheio de música. O Ivo nunca esqueceu, até hoje. Ele chorou, quando me contou.

Blumenau, 05 de Dezembro de 2003.


Urda Alice Klueger
Neste Natal

Não quero paz
Quero uma luta
Que faça a vida
Ter valido a pena
Não quero prosperidade
Se não puder compartilhar
Não quero muito amor
Mas muitas paixões
Não quero ganhar amigos
Quero perder os inimigos
Não quero ganhar o presente
Quero ter o futuro
Não quero receber um abraço
Quero abraçar todo mundo
Não quero ter medo
Quero ser coragem
E ser tudo o que quero
Neste Natal

Isabel Mir

dez/2007

terça-feira, 18 de dezembro de 2007





TODOS OS NATAIS

Por Luiz Carlos Amorim (escritor e editor - Http://br.geocities.com/prosapoesiaecia )


Em um novo dezembro, impossível evitar a lembrança de Natais passados, antigos, felizes, da infância da gente, abençoada infância.
Meus melhores Natais aconteceram quando eu ainda era criança. E depois, quando minhas filhas eram pequenas. Apesar de saber o significado da data, tão importante, acho que para mim, até por causa disso mesmo, crianças fazem falta na mágica noite. Porque elas representam a presença de um menino nascido nessa época e de quem comemoramos o aniversário.
Então espero os netos que, com certeza, reavivarão a chama daqueles Natais saudosos e autênticos. Enquanto isso, passamos a noite de véspera com amigos e parentes que tenham “guris pequenos”, ou os convidamos para passá-la com a gente. Como não ter a presença de uma criança numa noite dessas para mostrar-lhe o presépio e contar a sua história, ver o brilho dos seus olhos refletirem nas bolinhas da árvore natalina, ensinar-lhe a cantar as canções tão nossas conhecidas, vê-la ter medo do Papai Noel de mentirinha e abrir presentes com aquela ansiedade estancada de há tanto tempo?
Saudade de meus Natais de quando eu era criança. Também tinha medo do Velhinho, mas adorava os brinquedos e chocolates que ele trazia. Sabia que naquela noite nascera um Menino eterno, porque minha “Vó Pequeninha” me contara a sua história. Infelizmente, nunca foi montado um presépio em nossa casa, naqueles Natais antigos. Nem montei um, também, para minhas filhas.
Mas mesmo assim, aquelas noites eram mágicas. O encantamento começava muito antes, meses antes, quando o tempo custava a passar, até que chegasse o dia de enfeitar o pinheiro. Aí, sabíamos, a noite estava próxima, muito próxima.
E então era uma azáfama só. Todos ajudavam a preparar a casa, por dentro e por fora – as paredes, o jardim, o quintal, os gramados – sim, porque não morávamos em apartamentos, como hoje, mas em casas -, alguns “ajudavam” no que era possível (e no que não era) na feitura de doces e bolachas natalinas. Era época também de se estrear roupa nova, e lá íamos nós tirar medidas ou experimentar peças simples, de tecidos simples, mas que eram o quanto bastava.
E na véspera da noite especial, que finalmente chegava, todos estavam prontos. Era só esperar as visitas que vinham partilhar a ceia de Natal, simples mas farta, que a mãe preparava com tanta dedicação e carinho, a chegada do Velhinho com os presentes e então todos cantávamos aquelas canções tradicionais e lindas para saudar o nascimento daquele Menino.
Foram Natais felizes. Depois, bem mais tarde, no segundo ou terceiro Natal de minhas filhotas, fiquei triste porque havia “encomendado” um Papai Noel para vir visitá-las e a outras crianças que nos faziam companhia, e ele não apareceu. Ficara bêbado nas primeiras visitas e esquecera a nossa. Fiquei indignado com o homem, pobre mortal que não cumprira o combinado e deixara minhas filhas esperando. Mas não poderia deixá-lo tirar o encanto daquela noite única, e falamos do aniversariante, cantamos as canções que falavam dele e a magia foi restabelecida.
Num outro Natal, pude me sentir quase um Papai Noel. Comprei, aos poucos, bem antes que aquele Natal chegasse, balas, chocolates e pequenos brinquedos, fiz vários pacotes e fui, num sábado antes da tão esperada noite, visitar uma comunidade muito carente. Naquele lugar, de gente muito, muito pobre, sabíamos que as crianças não ganhariam nada de ninguém. Foi uma festa o que aconteceu ao redor do meu fusca, naquele dia.
E dentre tantos Natais felizes, um foi muito triste, para mim e para minha esposa: perdemos nossa primeira filha no final de um outubro, numa primavera linda, quando as primeiras flores de jacatirão começavam a desabrochar. E quando dezembro chegou, a ferida ainda doía muito e nunca uma criança – a nossa criança - fez tanta falta num Natal. Mas entendíamos que não perdemos nossa filha, apenas a deixamos ir ficar ao lado do pai do Menino que nascia mais uma vez. Em todos os outros Natais, por todos esses anos, aquela dor dói um pouquinho mais do que de costume, uma saudade antiga, um sentimento que parece ficar maior, então.
Mas as grandes perdas ensinam a gente a dar valor ao que se tem. Novos Natais felizes voltaram, assim como as crianças, que sempre voltam. Assim como o menino que sempre nasce de novo. Sempre.

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(MarcoStruve - Natal 2007 da APAE de Indaial)




Sim, sou presepista!
Por elaine tavares - jornalista

Tenho gravada nas retinas e no coração as imagens dos natais da minha infância. No início do mês de dezembro minha mãe começava a preparar a construção do presépio. Era uma tradição. Nós, os três filhos, participávamos organizando os personagens da famosa noite em que nasceu Jesus. A família, os bichinhos, os pastores, os reis magos, a estrela. A coisa levava o mês todo. Havia a árvore de natal, mas ela era absolutamente secundária. Porque minha mãe reverenciava o menino e não o Papai Noel. Naqueles dias, no interior do Rio Grande, o capitalismo selvagem ainda não tinha chegado com toda a sua força. Depois, eu cresci, e segui a velha tradição. Todo o natal, monto o presépio com todos os seus personagens. Passo o mês inteiro esperando pelo dia do aniversário daquele que tenho como uma das figuras que mais amo no mundo.

Sempre há os que dizem que ele não existiu, que é uma invenção de Paulo. A mim não importa. Tudo que sei é que as histórias que dele se contam, das coisas que ensinou, amparam minha prática de vida. Jesuânica. Por isso o natal é tão importante pra mim. Não que eu precise de um dia específico para lembrá-lo ou falar dele. Mas é um aniversário e é bom celebrar.

Por isso me agride a imagem gigante do Papai Noel que foi montada na entrada da cidade onde moro, Florianópolis, num chamado ao consumo. E me choca ver que as pessoas acham lindo e sequer questionam toda a carga de ideologia que aquele símbolo sustenta. Aqui, na ilha da fantasia, o natal é sinônimo de compras. A própria figura do Papai Noel perdeu seu sentido original, do bom velhinho que vinha visitar as crianças na noite do grande advento. Agora, natal significa consumo, louco, desenfreado. Nas telas da TV tudo o que se fala é da porcentagem do aumento das vendas e nas ruas já começa o frenesi dos pacotes.

Eu não dou presentes no natal. Busco o refúgio interior e o encontro com a idéia de Jesus, o cara do aniversário. Conspiro com as demais culturas originárias do hemisfério sul que celebram o solstício de verão. Faço minhas cerimônias, minhas rezas e celebrações. No dia do solstício, que é o 21, o sol parece ficar estacionado no céu. O dia é longo e a gente faz reverências àquele que nos dá calor e propicia a vida.

Então, natal é isso: festejar a vida. Celebrar com os que amamos a idéia de que o mundo precisa ser justo, que as riquezas devem ser repartidas, que as pessoas devem ser solidárias e amorosas. É dia de comungar com os ancestrais, com a natureza, com a vida que vive. Dia de agradecer por poder estar neste lindo jardim. Se há algo a presentear, que seja essa idéia, de que o natal não é um dia para comprar presentes impessoais, impostos pelo mercado capitalista. O natal é dia de armarmos nosso presépio interior, com todos os personagens do nosso grande advento.

Feliz Natal... Feliz Solstício... !!!




NATAL RENOVADO


Por Luiz Carlos Amorim (escritor – http://br.geocities.com/prosapoesiaecia )


O Natal está chegando e eu recebo, no último dia de novembro, assim tão cedo, o meu presente de Natal. Trata-se da quarta edição, ampliada, do livro "Crônicas de Natal e histórias da minha avó", da minha amiga Urda Alice Klueger. É claro que eu já tinha um exemplar da primeira edição, mas o livro está renovado, com capa nova, novas crônicas, quatro delas, e eu não podia deixar de lê-las de imediato. Então, acabo de ler "A Galinha de Vidro", "O dia em que o Weichnachtsmann apareceu de verdade", "Natal em Abril" e "Natal no Cinema".


Urda sabe como ninguém contar histórias e sendo de Natal, então, nem se fala. "A Galinha de Vidro" eu já conhecia, fala de perdas e de ausências que doem mais no Natal e eu sei bem como é;


"O dia..." é uma história mágica de um Natal que poderia ter sido destruído, mas transformou-se no mais bonito, quase como um que eu conheço; "Natal em Abril" é a história de um Papai Noel que veio fora de época para mostrar a um menino que a magia do Natal existe. Idenfiquei-me com essa história do rapaz que comprou a bicicleta tão sonhada com o primeiro salário (e Papai Noel veio para entregá-la), pois Urda pergunta, entre parêntesis, se o leitor lembra da loja "Hermes Macedo".


Eu lembro, Urda. Foi lá que eu conheci minha esposa, a mãe de minhas filhas. Um dia escrevo uma crônica. E "Natal no Cinema" é a crônica sobre um certo Papai Noel de Urda, que transformou um conto das primeiras edições deste mesmo livro em filme.E quando leio a crônica sobre o filme "Por causa de Papai Noel", lembro que a minha crônica do Natal do ano passado era exatamente sobre isso: meu presente de 2006 foi poder assistir ao filme, uma obra que consegue retratar com fidelidade o talento de escritora de Urda, o talento da diretora em transportar para a tela a excelência literária da escritora e, além de tudo, mostra um pouco da infância da própria autora do texto.


E lembro, por associação, do CD com músicas de Natal que dei pra Urda naquele final de 2006, bem no dia em que assistimos junto "Por Causa de Papai Noel". O CD, na verdade, é uma seleção que fiz de vinte músicas de Natal brasileiras, portuguesas, cantadas, orquestradas, há até duas músicas interpretadas por um coral de crianças de escola do qual fazia parte minha filha Daniela, quando era bem pequena. Algumas músicas são bem conhecidas, tradicionais, cantadas por cantores famosos e atuais, mas outras são músicas belíssimas, mas desconhecidas por muitos de nós. Ela só pôde ouvir depois de passado algum tempo, pois vive numa correria constante, e ficou encantada, disse-me que anda com o disco no carro para ouvi-lo sempre que pode.


Esse menino que nasce todo dezembro renova, mesmo, a alma das pessoas, e tudo é motivo para alegrar o coração da gente. Como as canções natalinas que agradaram tanto a Urda e como as crônicas de Natal dela que agradam e emocionam tanto a gente.



A galinha de vidro




Uma das coisas mais bonitas que tinha na casa dos meus avós era um porta-jóias em forma de uma galinha de vidro, numa cor entre o laranja e o ferrugem. Eu era louca por aquela galinha de vidro colorido (até hoje gosto de coisas de vidro colorido – será que tudo começou lá?).
Pois bem, um dia meus avós desfizeram-se de sua casa e foram morar com uma filha, e adivinhem quem ganhou a galinha de vidro colorido? Euzinha mesmo, sem mais nem menos. Com certeza aquela era a peça mais bonita que eu possuía, e durou vários anos nas minhas mãos: era criança quando a recebi; era adolescente quando, um dia, deixei-a espatifar-se no chão. Aquilo foi uma tragédia para mim! Juntei caco por caco e guardei tudo dentro de uma camiseta velha, na esperança de que um dia a Ciência produzisse algum tipo de cola que me permitisse refazer a minha galinha. Ela estava sempre lá, no fundo do armário, a me fazer lembrar de como fora linda e garbosa, nos seus tempos de porta-jóias, plácida e gorda galinha deitada num ninho também de vidro – como esquecê-la?
O tempo passou. Eu já tinha 30 anos quando o meu pai faleceu, tão cedo ainda! Houve toda a tristeza da doença, da morte, do enterro... Todas as famílias já passaram ou passarão por coisas assim. Meu pai morreu em agosto, e logo depois da sua morte minha mãe avisou-me que ele já havia comprado o meu presente de Natal, antes de ficar doente. Queria eu ganhá-lo logo?
- Não, mãe, deixe para o Natal, como era a vontade dele.
Quisemos que aquele Natal fosse diferente, para que não ficássemos todos dentro de casa lembrando, nos emocionando e chorando. Achamos por bem irmos todos acampar, e o fizemos. Fomos para Armação do Itapocoroy, lá onde eu passara os grandes verões da minha adolescência, e eu inaugurava moderna panela elétrica que permitia fazer todo o tipo de comida num camping, e passei a tarde do dia 24 cozinhando, fazendo desde esmerado pernil à Califórnia, até maionese de batatas e tudo o mais que pudesse compor uma boa mesa de Natal. E a noite mágica foi chegando, e nas nuvens iluminadas pelo pôr-do-sol que apareciam pelas beiras da baía de Armação já parecia que havia muitos mistérios escondidos – numa hora o sol se foi, e deixou, ainda por algum tempo, uma fímbria de ouro nas nuvens – e depois ele se foi mesmo, e o horizonte ficou róseo e azul, bem como devem ser as cores dos anjos – e nós espiávamos tudo aquilo enquanto degustávamos o jantar de Natal, e o mistério daquela noite estava mesmo aumentando e nos deixando cheios de ansiedade!
Então escureceu, e era hora de abrirmos os presentes. Os meus sobrinhos ainda eram pequenos, e havia aquela coisa do Papai-Noel ter passado por ali sem que víssemos, e olha lá a boneca nova da Rosa Maria! E olha lá a caixa nova de lápis de cor do Mteka! E olha lá o estojo de maquilagem da Anna Paula! E olha isso, e olha aquilo... quando minha mãe achegou-se a mim com um embrulho de papel de seda, e fez-me lembrar:
- O teu pai tinha te comprado o presente de Natal antes de morrer...
Só aquilo já fazia engolir em seco – cuidadosamente, desembrulhei o papel de seda... e o que havia lá dentro? Nada mais nada menos do que uma galinha de vidro igual àquela da casa da minha avó, que meu pai vira no começo do ano em alguma loja, e que aproveitara para comprar já, pois sabia o quanto eu gostaria dela! Quatro meses depois da sua morte meu pai ressuscitava e me dava aquele porta-jóias de vidro ao qual eu dava tanto valor, era como se ele viesse e me dissesse:
- “Estás vendo? Sei direitinho o teu gosto!”
Que restava a mim fazer, então, do que sentar-me na grama e chorar?



Blumenau, 12 de Novembro de 2003.


Urda Alice Klueger
Somos nossos heróis
Por elaine tavares - jornalista

Maluca por cinema eu vejo tudo que há. Não importa a qualidade. Mesmo nas “bombas” estadunidenses sempre há algo que se possa tirar, desde que tenhamos olhos críticos. Dentro delas há um gênero de que gosto demais. É o dos super-heróis. Encantam-me com suas sempre bondosas tentativas de salvar o mundo. E não é à toa que a indústria cultural os mostre assim. Solitários, um pouco tristes, salvadores individuais. A vida de todos gira em torno da boa vontade de um, o que tem os super-poderes. Talvez por isso me enterneça uma cena do Homem-Aranha em que ele, cansado de salvar o mundo, passa a se comportar como pessoa comum. Só que não consegue. O mundo precisa dele, e ele volta. E o salva. Eis a sempre repetida mensagem do way of life estadunidense. “Fique tranqüilo, alguém virá te salvar. De preferência um dos nossos”.

Cá com meus botões fico a pensar se essa lógica dos super-heróis não é afinal a que temos de combater. Estamos sempre esperando o salvador. Aquele que, num átimo, virá, com suas roupas coloridas e super-força nos salvar. Com os olhos no céu esperamos a saída individual, o gesto do outro, o herói. Esquecemos as propostas coletivas, a necessidade da união, as lutas travadas em comunhão. Ah, essa fortaleza que desconhece seu poder.

Agora aí está, nosso frei Luiz Cappio, outra vez colocado, sozinho, diante da monstruosa idéia da transposição do Rio São Francisco. Ele que é magrinho, que não tem capa, nem super-poderes. Ele que é só um homem, demasiado frágil, demasiado só. E o que ele quer? Bancar o herói? Não! Ele quer que nos recordemos (voltar ao coração). Quer que a gente se lembre dos tempos imemoriais em que, juntos, superávamos nossos medos e as ameaças que se colocavam diante da raça. Desesperadamente quer que nossos ouvidos se abram e possamos voltar a ouvir a canção da comunhão. Juntos, povo, comunidade.

O frei Luiz não quer piedade, nem lágrimas, nem lamúrias. Ele quer ação. Ação nossa, conjunta, real. Frei Luiz não quer lamentos. Quer o povo em pé como se fosse uma copa do mundo, a bramir bandeiras e a se dirigir, cego, para o canteiro de obras da transposição, como cegas vão as gentes para as olimpíadas ou campeonatos. Só que, neste caso, não é um jogo de bola. É o destino de milhares de pessoas que vai se decidir.
Frei Luiz quer que as pessoas saibam que, conforme atestam centenas de relatórios e estudos feitos por técnicos gabaritados, a transposição vai ser um desastre para as pessoas e para a natureza. A Fundação Joaquim Nabuco mostra que, com a obra, vai haver uma redução brutal na geração de energia. O Instituto Miguel Calmon diz que pode faltar água ao rio, pois os afluentes são temporários, e a retirada de água só vai piorar as coisas. O Comitê Executivo de Estudos Integrados da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco-CEEIVASF, diz que a obra pode provocar uma maior evaporação das águas, que já é elevada no semi-árido. Na verdade, só vai ser bom mesmo para as empreiteiras, que ganharão astronômicas quantias para fazer a obra e para os latifundiários, que poderão irrigar suas terras sem maiores investimentos.
Frei Luiz está jejuando, está pedindo socorro, como se ele mesmo fosse o rio. É porque ele sabe que não existem super-homens, nem homens-aranha, nem madrakes. Como homem, desgraçadamente homem, ele sabe que só há um jeito para parar as máquinas. A força e a união de todas as gentes. Por isso só há dois jeitos de salvar o padre, o rio e a nós mesmo. Ou vamos todos para Sobradinho, na Bahia, ou fazemos ações em nossos estados. Mas ações fortes, firmes, capazes de serem ouvidas pelos governantes! Nada de moções. Ações. Nós, de camisa verde-amarela, com nossas bandeiras, nossos sonhos, nossas esperanças. Para barrar a obra. Afinal, há outras soluções para a questão da água no nordeste. Centenas delas, dadas por técnicos competentes.
Só assim, agindo concretamente, a gente salva o rio, a vida, o frei. Esse homem que se entrega em oblação, porque nós ainda precisamos de heróis. Penso que será muita covardia da gente deixar frei Luiz sozinho. Ele nos quer, juntos. Não quer estar sozinho. Sejamos, então, milhões...
Transcendência-Imanência-Transparência

Leonardo Boff
Teólogo

Não há tradição cultural que não se refira a um Princípio criador ou a uma Energia originária ou simplesmente a Deus. A grande questão é como expressar essa Realidade. Aqui mais que os teólogos que falam sobre Deus contam os que falam com Deus como os místicos e os profetas, cujo testemunho não pode ser negado. Na história do pensamento se delineiam três maneiras de falar com referência a Deus. A primeira fala de transcendência. Deus é tão outro que tudo o que dizemos dele é mais mentira que verdade. O melhor é calar ou apenas sorrir amavelmente como Buda.
A segunda fala de imanência. Deus é experimentado de forma tão intensa que ele se anuncia em cada coisa. Assim vem enraizado dentro do mundo. E é chamado por mil nomes.
A terceira fala de transparência. Busca um caminho intermédio. Deus não pode ser tão transcendente, pois se assim fosse, como saberíamos dele? Ele deve ter alguma relação com o mundo. Anunciar um Deus sem o mundo, faz fatalmente nascer um mundo sem Deus. Também não pode ser tão misturado com as coisas que acaba sendo uma parte deste mundo. Se Deus existe como as coisas existem, então Deus não existe. Ele é o suporte do mundo não porção dele.
É aqui que tem sentido a transparência. Ela afirma que a transcendência se dá dentro da imanência sem perder-se nela, caso contrário não seria realmente transcendência. E a imanência carrega dentro de si a transcendência porque comparece sempre como uma realidade aberta a intermináveis referências. Quando isso ocorre a realidade deixa de ser transcendente ou imanente. Ela se faz transparente. Encerra dentro de si a imanência e a transcendência. Tomemos o exemplo da água. A água é água, jorrando da fonte (imanente). Mas é mais que água. Simboliza também a vida e o frescor (transcendente). Ao transformar-se em símbolo de vida e frescor, a água se torna transparente para estas realidades. E o faz por ela mesma e nela mesma.
Essa talvez seja a forma mais sensata de falar sobre Deus e a partir de Deus. Na forma do paradoxo. Por um lado devemos afirmar que todas as nossas palavras são inócuas. De Deus não podemos fazer nenhuma imagem. Por outro lado, não podemos dizer que Deus é o totalmente indeterminado, qualquer coisa vaga, um fundo sem fundo. A realidade de Deus (não sua imagem) é um concreto concretíssimo, o ser em plenitude, portanto uma realidade concreta mas sempre para além de qualquer concreção. É representado pela água mas ele não é água. Identificar água e Deus é cair na idolatria.
Nesse paradoxo a transparência ganha relevância. Ela faz que o inatingível (transcendência) se torne atingível através e dentro de algo concreto (imanência), mas transfigurado-o em símbolo (transparência). É o que o cristianismo afirma de Jesus. Ele é um camponês/artesão mediterrâneo (imanente) mas que viveu de tal modo (transparente) que nos permitiu entrever Deus (transcendente). "Quem vê a mim, vê o Pai". Como? Na forma como se dirigia a Deus, chamando-o de Paizinho querido (Abba), o que supõe que se sentia seu filho. Depois, agindo de um jeito que sua existência era uma pró-existência, vida para os outros, especialmente, os últimos e desprezados. O que disse e fez, foi para nos induzir a ter a mesma atitude que ele teve. Assim descobriremos que somos também filhos e filhas, em comunhão com ele.
Ele se fez transparente para Deus, não rebaixando os que vieram antes dele, mas radicalizando seu dinamismo, tornando-se um ponto referencial. Deus, então, está no mundo mas para além dele.
(Marco Struve - Natal 2007 da APAE)



NATAL PRESENTE

Por Luiz Carlos Amorim (escritor – http://br.geocities.com/prosapoesiaecia )


Os enfeites natalinos já estão pela cidade toda, nas ruas, nas lojas, nas casas, nos jardins, os papais noéis já invadiram a televisão, os jornais, as revistas, o rádio e até a Internet. Está chegando o Natal.
Natal, ah, o Natal... essa época mágica de desembrulhar esperanças, de dar de presente carinho, compreensão e amor, de fortalecer a paz e a fé, de engavetar a saudade... Aquela saudade pequena, que vai ficando maior e que vai doendo um pouquinho mais no Natal. Saudade de almas queridas, como do menino aniversariante, inquilinos vitalícios de nossos corações...
E está aí o Natal, o mesmo Natal que, quando éramos crianças, trazia Papai Noel com os brinquedos, trazia a árvore enfeitada, guloseimas e canções. Canções que falavam do nascimento de um menino encantado que tinha o poder de modificar as nossas vidas, se quiséssemos. Ele representava a renovação, significava que a vida seria melhor, que nós, seres humanos, poderíamos ser melhores.
Então vem a adolescência, a juventude e, adultos, vamos deixando aquela esperança mágica de lado, ocupados em sobreviver.
Mas ainda há tempo de ver um raio de luz nascendo no horizonte de nossas vidas, um fio de esperança apontando o futuro. Ainda há um resto de fé e este é o tempo para multiplicá-lo. Porque o Natal é renascimento, é o encontro da paz, é busca do amor: é a comunhão com Deus. É a ternura de um menino nascendo, é um sentimento maior que nós, homens, ainda podemos exercitar.
Há que querermos um Natal completo e por inteiro, um Natal verdadeiro. E o espírito do Natal, que aproxima os homens, pulsará em todo ser. E brilhará nos olhos de toda criatura, luz a colorir a vida, a semear a paz, sonhada e perseguida. E estará nas mãos de todas as pessoas, carinho a semear ternura. E soará dos lábios de cada um, canção a propagar a fé. Isto é o Natal do coração, presente maior que podemos ter.
Diz-se que o Natal perde a graça, depois que crescemos. Mas temos que resgatar o nosso eu-criança, para não deixarmos de festejar com a alma e o coração o nascimento do menino Deus. E haveremos de dizer uma prece para comemorar-lhe a grande data e pedir-lhe a bênção neste Natal...
(Marco Struve - Natal 2007 da APAE)




A moda Deus



Leonardo Boff

Teologo





Hoje o tema de Deus está em alta. Alguns em nome da ciência pretendem negar sua existência como o biólogo Richard Dawkins com seu livro Deus, um delirio (São Paulo 2007). Outros como o Diretor do Projeto Genoma, Francis Collins com o sugestivo título A linguagem de Deus (São Paulo 2007) apresentam as boas razões da fé em sua existência. E há outros no mercado como os de C.Hitchens e S.Harris.



No meu modo de ver, todas estes questionamentos laboram num equívoco epistemológico de base que é o de quererem plantar Deus e a religião no âmbito da razão. O lugar natural da religião não está na razão, mas na emoção profunda, no sentimento oceânico, naquela esfera onde emergem os valores e as utopias. Bem dizia Blaise Pascal, no começo da modernidade:"é o coração que sente Deus, não a razão"(Pensées frag. 277). Crer em Deus não é pensar Deus mas sentir Deus a partir da totalidade do ser.Rubem Alves em seu Enigma da Religião (1975) diz com acerto:"A intenção da religião não é explicar o mundo. Ela nasce, justamente, do protesto contra este mundo descrito e explicado pela ciência. A religião, ao contrário, é a voz de um consciência que não pode encontrar descanso no mundo tal qual ele é, e que tem como seu projeto transcendê-lo".



O que transcende este mundo em direção a um maior e melhor é a utopia, a fantasia e o desejo. Estas realidades que foram postas de lado pelo saber científico voltaram a ganhar crédito e foram resgatadas pelo pensamento mais radical inclusive de cunho marxista como em Ernst Bloch e Lucien Goldman. O que subjaz a este processo é a consciência de que pertence também ao real o potencial, o virtual, aquilo que ainda não é mas pode ser. Por isso, a utopia não se opõem à realidade. É expressão de sua dimensão potencial latente.



A religião e a fé em Deus vivem desse ideal e desta utopia. Por isso, onde há religião há sempre esperança, projeção de futuro, promessa de salvação e de vida eterna. Elas são inalcançáveis pela simples razão técnico-científica que é uma razão encurtada porque se limita aos dados sempre limitados. Quando se restringe apenas a essa modalidade, se transforma numa razão míope como se nota em Dawkins.



Se o real inclui o potencial, então com mais razão o ser humano, cheio de ilimitadas potencialidades. Ele, na verdade, é um ser utópico. Nunca está pronto, mas sempre em gênese, construindo sua existência a partir de seus ideais, utopias e sonhos. Em nome deles mostrou o melhor de si mesmo.É deste transfundo que podemos recolocar o problema de Deus de forma sensata. A palavra-chave é abertura. O ser humano mostra três aberturas fundamentais: ao mundo transformando-o, ao outro se comunicando, ao Todo, captando seu caráter infinito, quer dizer, sem limites.



Sua condition humaine o faz sentir-se portador de um desejo infinito e de utopias últimas. Seu drama reside no fato de que não encontra no mundo real nenhum objeto que lhe seja adequado. Quer o infinito e só encontra finitos. Surge então uma angústia que nenhum psicanalista pode curar. É daqui que emerge o tema Deus. Deus é o nome, entre tantos, que damos para o obscuro objeto de nosso desejo, aquele sempre maior que está para além de qualquer horizonte. Este caminho pode, quem sabe, nos levar à experiência do cor inquietum de Santo Agostinho:"meu coração inquieto não descansará enquanto não repousar em ti"



A razão que acolhe Deus se faz inteligência que intui para além dos dados e se transforma em sabedoria que impregna a vida de sentido e de sabor.
(nestor jr.)






GATO MALHADO


Quando eu conheci esse Gato que hoje está todo malhado, acho que nem a mais leve geada caíra, ainda, sobre aquela seda tão fascinante dos seus cabelos e da sua barba. Era um rapaz bonito, cheio de vida, que ensinava muitas coisas e tinha muitas histórias para contar, e que vivia com um séquito de alunos atrás dele, sempre atencioso e minucioso nas suas respostas precisas, inteligentes e argutas. Era um prazer andar atrás dele, ficar ouvindo sua sabedoria, saber da sua visão do mundo.
Uns três ou quatro anos depois, assistindo a um programa onde ele era entrevistado na televisão, dei-me conta, pela primeira vez, da leve geada que viera pintalgar sua barba de seda, seus cabelos de príncipe. Naquela altura, eu me apaixonara irremediavelmente por ele, e então tratei de guardar aquelas imagens, gravadas no velho videocassete de duas cabeças, que era o máximo da minha tecnologia de então - e até hoje posso ver a gravação daquele tempo de frêmitos e surpresas, quando voltara a ter as emoções de uma adolescente de quatorze anos, e esse Gato Malhado de hoje já perdera a flexibilidade de junco que tivera na primeira juventude, mas ainda era como um feixe de músculos que reagia aos estímulos num uníssimo impressionante. O tempo o tornara ainda mais fascinante, e aquele pintalgado de prata pelo meio da seda lhe dava um charme novo, e ele fascinava cada vez mais, e o séquito de alunos que o seguia e o admirava aumentara, e cada vez mais as pessoas inteligentes da cidade prestavam atenção ao que ele dizia, e era um prazer andar atrás dele, ficar ouvindo sua sabedoria, saber da sua visão do mundo. E como ele ficara ainda mais bonito, assim com aquela ameaça de nevasca!
Os anos correram tão rápido quanto a areia corre dentro de uma ampulheta, e ontem à noite, assistindo a outro programa de televisão onde ele era entrevistado, dei-me conta de uma coisa impressionante: meu menino está que é um gato malhado, neve para todos os lados nos seus finos cabelos de seda, na sua fascinante barba de seda – meu amor está todo colorido de prata, malhado como um gato – e lembrei da maciez dos tantos gatos malhados que existiram na minha infância, tão macios e lindos e carinhosos, e fiquei pasma, em como não me dera conta, no dia a dia, daquele aperfeiçoamento que acontecia naquele ser humano que é o mais maravilhoso de todos! Também me dei conta de que se foi a aparência de junco e a de feixe de músculos: meu Gato Malhado está todo mais macio, tomado de uma doçura nova, como se a sua sensibilidade tivesse se apurado, e a sua aparência lembra a leveza das nuvens em dia de céu azul, e ele parece fofo e aconchegante como os bebês ficam quando estão bem embrulhadinhos em macia lã. Sei que seu séquito de alunos aumentou, se é que tal é possível, e que cada vez mais as pessoas inteligentes da cidade prestam atenção ao que ele fala, e nunca ele foi tão bonito!
Apesar de o tempo ter escorrido dentro da ampulheta com uma velocidade incrível, sei que para mim também ele passou e me transformou num outro ser humano, tomara que melhor – mas cá por dentro, quando vejo ou penso no meu Gato malhado, sinto-me tão trêmula e encantada como se ainda tivesse quatorze anos.
Meu amor acabou virando o Gato Malhado mais lindo, macio e querido deste mundo – o que a gente faz com um Gato Malhado assim? Há que se amá-lo, sem nenhuma dúvida. Não há outra coisa que se possa fazer com tal doçura!


Blumenau, 24 de novembro de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora







O VERDADEIRO SENTIDO DO NATAL

Por Luiz Carlos Amorim (escritor e editor - Http://br.geocities.com/prosapoesiaecia )

E chegou o final do ano. O Natal está aí, essa festa grandiosa para a humanidade que a própria humanidade transformou num mero evento consumista: a festa da fraternidade e do amor, reduzida a uma época para se gastar mais, para se comprar mais.
Mas ainda é tempo de mudar. Ainda há tempo. Será que vamos nos esquecer, novamente, de que o Natal não é Papai Noel, não é presentes e guloseimas, cores e brilhos, simplesmente? Alguém lembrará do menino que está para nascer e que representa o renascimento da vida para cada um de nós, a esperança de renovação para cada cristão desse mundo de Deus?
O Natal é a oportunidade de reafirmarmos nossa fé em uma força superior que rege o universo, que rege o futuro, não importa o nome que lhe demos. Porque como já dissemos outras vezes, o que será de nós, seres humanos, irmãos gêmeos da natureza, se não tivermos fé e esperança num amanhã que está nas mãos daquele menino que está para nascer?
O que adiantará alguns de nós montarmos nossas árvores de Natal, com luzes e enfeites, podermos comprar presentes para os filhos, pais, irmãos, amigos, se não soubermos o verdadeiro significado do Natal? Precisamos começar a ensinar nossos filhos, que desde muito pequenos esperam ansiosamente o final de ano para que Papai Noel lhes traga brinquedos e doces de presente, que o Natal não é só isso.
Que Natal é muito, muito mais do que isso. Que o Natal existe porque um menino nasceu, há muito tempo atrás, para ensinar-nos que nunca é tarde para recomeçar, que sempre é possível começar de novo, que nunca estaremos sozinhos, apesar de tudo.
Que podemos exercitar sentimentos e emoções simples, próprios de nós, homens, filhos de Deus, como a solidariedade e a fraternidade, a amizade e a compaixão. Que esses sentimentos levam a sentimentos maiores. Não podemos deixar de lembrar, sempre, este significado maior.
Em alguns lares, às vezes por falta de tudo, às vezes por falta do espírito de Natal, nem a árvore enfeitada com frutos coloridos e maduros e com luzes – as estrelas que desceram do céu, símbolo natalino que representa agradecimento pela vinda de nosso Senhor, se faz presente. Principalmente se não há crianças. E uma casa sem Natal é muito triste. E um adulto que não tem mais a capacidade de sonhar, de sorrir e de ter esperança é mais triste ainda. É como se não deixássemos nascer o menino, o filho de Deus, que representa a nossa alma, a magia e o encantamento de viver.
Natal é a celebração da vida, que um menino chamado Cristo traz todo ano, tentando nascer em nossos corações. É a comemoração do aniversário desse menino, que há mais de dois mil anos veio para iluminar nosso caminho. Essa é a grande festa: ela precisa começar dentro do coração de cada um.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007






AS FLORES


Sempre fui apaixonado
Pelos jardins, pelas flores,
Amante das sete cores
Do arco-íris do amor.
Como é boa, durante a vida,
Ter uma flor com a gente,
Como se fosse semente
Plantada, de outra flor.


São as flores, sobre a terra,
Uma presença divina,
Seja grande ou pequenina,
Elas nos falam de Deus.
Na rosa ou numa violeta,
Há lembrança e há saudade,
Resume-se a humanidade,
Os sonhos, os teus e os meus.


Enfeitam aniversários
E muitas festas ruidosas,
Lírios, violetas e rosas
Adornam esquifes também.
Umas celebram a vida,
As outras choram a morte,
Está nelas nossa sorte,
Delas não foge ninguém.


Benditas sejam as flores
Que perfumam nossa vida,
São adeus na despedida,
Ao nascer, recepção.
Se a terra ficar sem flores,
Será apenas tristeza,
Pois, onde não há beleza,
É deserto e solidão.


Adair José de Aguiar
29.11.2007 - Dia de Solidariedade ao Povo Palestino
60 anos de Escravidão.

Sobre o Comitê pró-Palestina de Blumenau, conto que o mesmo é composto por um pequeno grupo de pessoas que se interessam pela causa palestina, e que o mesmo é conectado com outros comitês semelhantes, notadamente o de Florianópolis. Convidamos a outras pessoas que tenham interesse dele participar, que nos procure e nos dê seu endereço eletrônico, para que possamos manter contato. Entre outras coisas, o comitê tem um grupo de distribuição de notícias sobre a Palestina.
Estou aqui falando em nome do comitê e tento representar, nesta cidade, os milhões de palestinos que estão dispersos pelo mundo, e também aqueles que ainda resistem, quase no limite das suas forças, no que resta do seu país.
A história nos conta que o povo palestino habita as terras de onde tem sido expulso metodicamente desde a década de 1940 já há 6.000 anos – vamos encontra-los na Bíblia sob o nome de filisteus. Em algum momento próximo desse tempo, para a mesma terra, ainda sob a ótica bíblica, segue para a Palestina Abrão, pai de Isaac e de Ismael. Isaac vai ser “pai” do povo judeu enquanto que Ismael vai ser “pai” do povo palestino – portanto, ambos os povos têm a mesma e única origem – podemos chamá-los de primos.
Enquanto os palestinos permaneceram na sua terra por todos esses 6.000 anos, o povo judeu teve diversas “saídas”: para o Egito, para a Mesopotâmia, e há que lembrarmos a diáspora sofrida no começo da era cristã, durante o Império Romano. Por diversos motivos, os “primos” judeus saíram diversas vezes da mesma terra onde os palestinos sempre permaneceram.
No século XX, devido a perseguições variadas acontecidas na Europa, o povo judeu decide voltar a ter um lar na Palestina, e fazendo uma clara leitura de política internacional, vão ter com o Primeiro Ministro inglês Lorde Balfour, que é quem administrava nessa época as terras palestinas, tidas como protetorado da Inglaterra, e passam a ter apoio quanto à sua volta aquelas terras ancestrais. Depois do Holocausto da Segunda Guerra Mundial, a ONU acaba por votar uma decisão, em 1947, que permite a volta dos judeus para a Palestina, na condição de que a mesma seja dividida entre dois países, o Estado Palestino e o Estado de Israel. Sessenta anos depois, apenas o Estado de Israel está existindo, sendo que os territórios que em 1947 ficaram pertencendo à Palestina, só restam dois pequenos enclaves: a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, cada vez mais diminuídos e ocupados pelo Estado de Israel.
Nos seus pequenos enclaves, o povo palestino que lá ainda resiste, passa por um extermínio étnico, e vamos citar somente uns poucos pontos de como tal se dá:
- corte de água – as populações vivem com pouquíssima água, chegando aos limites da sede.
- cortes de eletricidade por períodos enormes e indeterminados, sendo que a nossa própria imprensa mostrou, faz pouco tempo, o bombardeio com que o Estado de Israel destruiu uma das principais usina de produção de eletricidade do povo palestino;
- pontos de controle do Estado de Israel impedem a livre circulação do povo palestino no seu território, o que significa, entre outras coisas, o impedimento de as crianças irem para a escola e os doentes e feridos chegarem aos hospitais, que às vezes estão a poucos minutos das suas casas. È bastante grande o número de vítimas que vêm a falecer por hemorragia ou outras faltas de atendimento, devido a tais pontos de controle, que impedem a livre passagem.
- Milhares de palestinos estão nas prisões israelenses, inclusive crianças, sem nenhum processo ou acusação – muitas crianças lá estão apenas porque atiraram uma pedra em possante tanque israelense que sequer se arranhou com aquela pequena agressão.
- Está quase em final de construção extenso muro (centenas de quilômetros) que está a separar do Estado Israelense de que resta de território palestino .
- destruição sistemática de casas, plantações e milenares oliveiras das quais vive o povo palestino.
- impedimento dos palestinos trabalharem, separando os palestinos das suas terras e impedindo-os de chegar aos empregos.
- Colônias formadas por fanáticos religiosos judeus instalam-se nas pouquíssimas boas terras que restam ao povo palestino, tornando ainda pior a sua vida.
- etc., etc., etc.

PODEMOS DIZER QUE UM GENOCÍDIO ÉTNICO ESTÁ ACONTECENDO NA PALESTINA, sob as vistas de todo o mundo, e com o apoio técnico e militar dos Estados Unidos, que financia o Estado de Israel com verbas a fundo perdido, já que os EUA muito precisam de um aliado fiel naquela parte do mundo, ponta de lança existente entre o mar de petróleo dos países circunvizinhos.
Em Blumenau, como em tantos outros lugares do mundo, temos hoje o dia de Solidariedade ao Povo Palestino – estamos aqui lembrando, para que tal não seja esquecido, e para que não continuemos indiferentes ao que se passa com essa gente que está sendo morta, expulsa, aprisionada e injustiçada na sua terra, e que, como todos nós, faz parte da única raça que existe: a raça humana.
Venho aqui conclamar para que haja solidariedade dentro de cada um de nós para com os nossos irmãos que tanto sofrem.


Blumenau, 29 de Novembro de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora e historiadora

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

29 de Novembro: Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino
...
A tempestade... levou minha casa.
A noite... minha visão.
A chuva... minhas nuvens.
O inverno... meu coração.
Sem casa...pátria...ou terra.
Sem coração...vida...ou horizonte.
Olhei o céu... e estrelas me guiavam.
O oásis estava perto.
...

Meus amigos,
Deixem um comentário no www.zekachaves.blog-se.com.br e concorra a um livro ou cd!

Abraço

Zeca Chaves
A Professora Beth, de Três Barras

A Professora Elizabeth Pacheco, da Escola de Educação Básica Colombo Machado Salles, em Três Barras, no Planalto Norte catarinense, anda uma arara comigo. Estivemos juntos no dia 1 o de novembro, lá mesmo em sua cidade, e tudo foi uma festa enorme, com muito carinho e simpatia vindos de todos os lados. A Beth e o Edson, professores de Português, com o apoio decidido e decisivo do Lula, diretor do colégio, trabalharam exaustivamente com seus alunos de ensino médio a leitura do livro de contos Relatos de Sonhos e de Lutas, relacionado para os vestibulares da UFSC e da UDESC (neste, a obra veio a ser objeto de cinco questões).

Três Barras é parte importante da História de Santa Catarina: por lá foram largadas, após o término da obra, duas mil das oito mil pessoas que a Brazil Railway contratou para a construção da estrada de ferro que ligou o Estado de São Paulo ao Rio Grande do Sul. Em seguida, instalou-se na povoação, em 1910, a Southern Brazil Lumber & Colonization Company , uma empresa estadunidense do mesmo dono da Brazil Railway . Em 1913, quando iniciou oficialmente suas atividades, a Lumber era, desgraçadamente, "a maior serraria da América Latina". Começou operando, isto é, devastando a floresta onde imperavam araucárias, imbuias e outras espécies nobres e centenárias, numa faixa de 15 quilômetros de cada lado de toda a ferrovia, área generosa que lhe foi doada pelo governo federal em troca da implantação da estrada de ferro. Para explorar "suas terras", a Lumber expulsou a ferro e fogo quem nelas vivia, dando origem à Guerra do Contestado, primeiro conflito no mundo em que o avião foi usado como arma de combate, para desgosto supremo de Alberto Santos=Dumont.

Nesse cenário histórico, a Professora Beth está uma onça comigo e me obriga a escrever na primeira pessoa do singular. A indignação é tão grande que ela faz questão de iniciar sua mensagem eletrônica de forma gelidamente protocolar: "Caro senhor: Eu, professora Elizabeth Pacheco (e passa então a qualificar-se como quem redige uma procuração ou inicia um processo judicial), lhe escrevo para retratar minha 'mágoa' com sua pessoa". Por minha exclusiva culpa, ela sofreu em penoso silêncio durante duas semanas inteiras, desde o dia 7, quando publiquei neste espaço uma crônica comentando as maravilhas do Projeto "Encontro Marcado com o Escritor Catarinense" e fazia referência ao fato de um livro de literatura chegar, por obra e graça do projeto, aos recantos mais recônditos do interior do município de Canoinhas, até o dia 21, quando ela se convenceu de que eu não iria mais registrar o empenho vitorioso dos professores da sua escola no incentivo dos estudantes à leitura de obras literárias.

Na verdade, durante sete dias úteis seguidos passei por cinco cidades do Planalto Norte e do Meio-Oeste. Em algumas, como é o caso de Três Barras, apenas uma escola participou do projeto; em outras - Caçador é um exemplo -, foram nove as escolas envolvidas. Ficou difícil falar individualmente, neste espaço tão exíguo, de tanta gente brilhante e dedicada.

Sua pergunta, no entanto, é candente e continua queimando-me os ouvidos: "O que fizemos não estava de acordo com os propósitos do escritor ou da entidade patrocinadora?"

Em absoluto, caríssima Beth, vocês todos se superaram pelo amor ao livro e à leitura, atitude que somente os iluminados podem ter. Eu é que te devo duas descobertas marcantes: graças às tuas pesquisas, pude ler na Internet dois artigos sobre o meu livro que me deixam ruborizado, assinados por pessoas que sequer conheço, Marco Antonio de Mello Castelli e Luiz Horácio . Por isto é que evitava falar na primeira pessoa do singular. Por ti, violei a regra.



(Amilcar Neves, escritor)
Saciar a sede de água e cidadania(Publicado no Jornal Estado de Minas, 15 de novembro de 2007)FREI BETTO "Por que nas edificações urbanas raramente se encontram equipamentos de captação da água da chuva, gratuita e potável?"
Como impedir que a população do semi-árido brasileiro prossiga vítima da seca? A melhor iniciativa é o Programa 1 Milhão de Cisternas, também conhecido por Programa de Mobilização e Formação para Convivência com o Semi-árido. Este mês, comemora-se o marco de 1 milhão de pessoas favorecidas pela construção de cisternas.
Quem o monitora, há quatro anos, é a Articulação no Semi-árido Brasileiro (ASA), ONG que conta com o apoio do governo federal, da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), da sociedade civil e de vários parceiros nacionais e internacionais.
O programa parte da concepção de que o povo do semi-árido é capaz de dirigir seu próprio destino e encontrar meios de resolver seus problemas, desde que a ele sejam garantidos meios e políticas de convivência com a seca, e não de combate a este fenômeno natural. Assim como em outros países não se combate a neve, mas se aprende a conviver com ela, o mesmo se aplica à seca.
Até agora, o programa mobilizou cerca de 228.538 famílias e construiu 221.362 cisternas de placas para captação de água de chuva - via calha do telhado da casa -, para consumo humano. Nada mais potável que a água da chuva - que, nas cidades, irresponsavelmente desperdiçada, entope bueiros, causa erosão de encostas, alagamentos e enchentes.
Hoje, mais de 1 milhão de pessoas têm garantindo o acesso a água de qualidade para beber e cozinhar, o que significa, em termos de segurança alimentar e nutricional, efetiva revolução em suas vidas. Quando se sobrevoa o semi-árido notam-se pontinhos brancos esparsos na zona rural. São as cisternas alocadas nas casas dos agricultores, muitas em lugar de difícil acesso.
Um dos efeitos mais tangíveis é favorecer mulheres e crianças que, todo dia, deixam de caminhar quilômetros para buscar água, muitas vezes poluída. Agora, podem dedicar o tempo à educação, à família, à produção, ao lazer. Como muitas mulheres afirmam, sentem-se mais mães, mais esposas, mais companheiras, mais gente.
As crianças, agora mais saudáveis, já não são acometidas por doenças transmissíveis por recursos hídricos, entre as quais a diarréia; idosos e portadores de deficiências são atendidos; famílias inteiras, que anteriormente nunca tinham acesso a noções e cursos de tratamento da água e convivência com o semi-árido, agora usam essas informações para melhorar sua qualidade de vida.
As cisternas são construídas com, e não para as pessoas; essas se envolvem profundamente na obra, o que garante o seu cuidado. Como todo o processo é feito em comunidades, vê-se ali a erradicação da exclusão social e a afirmação da cidadania. São mais de 1 mil municípios do semi-árido que, mobilizados, compõem um novo cenário.
As cisternas, perfuradas ao lado da casa e revestidas de placas de cimento, são equipamentos simples, de tecnologia barata e fácil manejo. Têm longa vida útil quando cercadas de cuidados mínimos, de acordo com o que se aprende nos cursos. Ao visitar a região, notei em algumas girinos vivos, sinal de que a água é própria para consumo humano. Inaugura-se, assim, uma política pública não-clientelista, efetivamente voltada aos mais pobres.
Falta, agora, o governo federal dar mais apoio à ASA, para que se possa atingir a meta de construir 1 milhão de cisternas e favorecer 5 milhões de pessoas com acesso à água potável.
E fica a pergunta que não quer calar: por que nas edificações urbanas raramente se encontram equipamentos de captação da água da chuva, gratuita e potável? O exemplo não deveria começar pelas obras do poder público?
História da sustentabilidade


Leonardo Boff
Teólogo

A categoria sustentabilidade é central para a cosmovisão ecológica e, possivelmente, constitui um dos fundamentos do novo paradigma civilizatório que procura harmonizar ser humano, desenvolvimento e Terra entendida como Gaia. Comumente a sustentabilidade vem acoplada ao desenvolvimento. Oficialmente o conceito desenvolvimento sustentável foi usado pela primeira vez na Assembléia Geral das Nações Unidas em 1979. Foi assumido pelos governos e pelos organismos multilaterais a partir de 1987 quando, depois de quase mil dias de reuniões de especialistas convocados pela ONU sob a coordenação da primeira ministra da Noruega Gro Brundland se publicou o documento Nosso Futuro Comum. É lá que aparece a definição tornada clássica:"sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades".

Na verdade, o conceito possui uma pré-história de quase três séculos. Ele surgiu da percepção da escassez. As potencias coloniais e industriais européias desflorestaram vastamente seus territórios para alimentar com lenha a incipiente produção industrial e a construção de seus navios com os quais transportavam suas mercadorias e submetiam militarmente grande parte dos povos da Terra. Então surgiu a questão: como administrar a escassez? Carl von Carlowitz respondeu em 1713 com um tratado que vinha com o título latino de Sylvicultura Oeconomica. Ai ele usou a expressão nachhaltendes wirtschaften que traduzido significa: administração sustentável. Os ingleses traduziram por sustainable yield que quer dizer produção sustentável.

De imediato surgiu a questão, válida até os dias de hoje: como produzir sustentavelmente? Apresentavam-se para o autor quatro estratégias. A primeira era política: cabe ao poder público e não às empresas e aos consumidores regular a produção e o consumo e assim garantir a sustentabilidade em função do bem comum. A segunda era a colonial: para resolver a carência de sustentabilidade nacional impunha-se buscar os recursos faltantes fora, conquistando e colonizando outros paises e povos. A terceira era a liberal: o mercado aberto e o livre comércio vão regular a demanda e o consumo, resultando então a sustentabilidade que será melhor assegurada se for apoiada por unidades de produção nos paises onde há abundância de recursos necessários para a produção. A quarta era técnica: para superar a escassez e garantir a sustentabilidade buscar-se-á a inovação tecnológica ou a substituição dos recurso escassos: em vez de madeira usar carvão e mais tarde, em vez de carvão, o petróleo.

Hoje com a distância temporal podemos dizer: se houvesse triunfado a estratégia política em razão do bem comum, a história econômica e social do Ocidente e do mundo teria seguido o caminho da sustentabilidade. Haveria seguramente mais eqüidade (os custos e os benefícios seriam mais igualmente distribuidos), viver-se-ia melhor com menos e havera mais preservação dos ecossistemas.

Mas não foi este o caminho escolhido. Foi o do colonialismo, do imperialismo, do globalismo ecômico-financeiro e da economia política de mercado que gerou a grande transformação (Polanyi) com a mercantilização de todas as coisas e o submetimento da política e da ética à economia. A crise ecológica atual deriva deste percurso que, mantido, poderá ameaçar o futuro da vida humana. Agora é tempo de revisões e de buscas de alternativas paradigmáticas.
A INCONSTITUCIONALIDADE DOS PEDÁGIOS

Por Luiz Carlos Amorim (escritor e editor – lc.amorim@ig.com.br )

Viajo para a serra gaúcha há uns dez anos e na volta da última visita à Nova
Petrópolis, fiquei mais indignado do que das outras vezes, porque além de pagar
os quatro pedágios da BR 116, quando cheguei aqui em Santa Catarina, o pedágio
em nosso Estado estava confirmado para iniciar no segundo semestre de 2008.
Sempre achei que o valor cobrado pelas praças de pedágio em qualquer estado
eram
absurdos – no trecho do Rio Grande do Sul até Feliz paguei cinco reais e trinta
centavos por cada um, recentemente – com bem menos poder-se-ia manter uma
estrada em bom estado. Mas o que me deixa ainda mais indignado, é que em
Vacaria, num intervalo de apenas vinte quilômetros, paga-se dois pedágios. Isso
mesmo: num trajeto tão curto, dois pedágios! E parece que ninguém faz nada,
parece que está tudo bem para todos. Isso tudo sem contar que há dez anos, o
pedágio já era cobrado, mas a estrada estava num estado deplorável e não se via
ninguém fazendo qualquer serviço em nenhum trecho dela. Hoje ela está um pouco
melhor, remendos têm sido feitos e vi, em pelo menos um ponto de todo o trecho
de mais ou menos duzentos quilômetros, um grupo de duas ou três pessoas fazendo
uma calha para a água da chuva. E convenhamos que, pelo valor de pedágio, pela
carga de dinheiro que entra todos os dias naqueles pedágios, a estrada deveria
ter sido toda refeita, deveria estar nova.
Vendo tudo isso, o pedágio que está para ser implantado aqui em Santa Catarina
me assusta. São quatro praças de cobrança na BR 101, no trecho duplicado de
Florianópolis até a divisa com o Paraná – claro, vão esperar o trecho sul
ficar pronto para lotear e entregar novinho para alguma concessionária - e mais
três na BR 116. Aliás, passei hoje pela 101 até Joinville e vi obras em vários
trechos, o que me lembrou que sacramentaram o pedágio naquele trajeto, razão
porque estão gastando o dinheiro dos nossos impostos para deixar a estrada nova
e entregar para uma concessionária cobrar taxa da gente e ganhar grana fácil.
Os
preços começam pequenos: R$ 1,02 na 101 e R$ 2,54 na 116. Isso no início. Como
ficará depois, é que é o perigo. Quanto subirá? Em quanto tempo? Quantas
vezes?
E eis que, em meio a esse torvelinho, leio a tese de uma formanda de Direito,
no
Jornal Agora, intitulada “A Inconstitucionalidade dos Pedágios”, abordando o
“direito fundamental de ir e vir’ nas estadas do Brasil. No trabalho, ela cita
os “Direitos e Garantias Fundamentais”, da Constituição Federal de 1988, mais
especificamente o inciso XV do artigo 5: “é livre a locomoção no território
nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele
entrar, permanecer ou dele sair com seus bens". A jovem acrescenta que "o
direito de ir e vir é cláusula pétrea na Constituição Federal, o que significa
dizer que não é possível violar esse direito. E ainda que todo o brasileiro
tem livre acesso em todo o território nacional. O que também quer dizer que
o pedágio vai contra a constituição".
Uma luz no fim do túnel? Segundo a tese, ainda, as estradas não são vendáveis.
No valor da gasolina já é incluído o imposto de Contribuição de Intervenção de
Domínio Econômico (Cide) e parte dele é destinado às estradas. Isso sem contar
IPVA, que deveria ser para isso.
É preciso discutir essa inconstitucionalidade. A estudante, a propósito, passa
nos pedágios sem pagar. E ninguém a prendeu ou pode prendê-la por isso.
CAMINHOS DE PORTO ALEGRE


54ª Feira do Livro de Porto Alegre, entre gostos e alguns desgostos. Mil tentações para comprar dentro dos dias de calor, nas barracas sombreadas por árvores florescidas de milhões de florinhas azuis, mas sempre a lembrança da pilha de mais de cem livros esperando leitura, e limitei-me a alguns presentes de Natal para as minhas crianças.
Não tive como deixar de comprar, no entanto, um caminho. Havia diversos deles, diferentes perspectivas daquele mesmo caminho que era o caminho do pintor João Piosan, gaúcho, e eu estava triste, era o último dia de estar aqui e eu estava triste. De repente, diversos ângulos do caminho daqueles quadros como que me abriam uma perspectiva, faziam com que eu pensasse num caminho possível, lá adiante, no longínquo horizonte do fim do túnel do tempo, e mesmo com o dinheiro já curto, não resisti em comprar um quadro daqueles.
Olho-o agora, no meu colo, na rodoviária, esperando para ir embora. O caminho que eu comprei é ladeado por duas casinhas brancas, com jeito de lusas, meros detalhes para um caminho ladeado de exuberante verde e que tem, diante de uma das casinhas, a sombra de IMENSA árvore florida de rosa e branco, mas tudo, as casas, as plantas, a florida árvore, tudo é detalhe: o dono do quadro é ele,o caminho, que passa diante das casas, e debaixo da sombra das flores, e decididamente se vai adiante, em direção de um futuro que talvez seja o meu – senão, por que aquele caminho teria me hipnotizado assim, me atraído como se fosse um ímã, a ponto de eu não sossegar enquanto não comprei um daqueles quadros?
Tento, então, imaginar para onde ele vai. Decerto ele vai para onde eu gostaria que ele fosse, isto é, para um tempo onde toda a gente do mundo possa ter saúde, alimento e acesso à educação, e onde cada ser humano tenha direito a uma casinha branca com árvore de flor na frente, e tal coisa é fundamental para a minha felicidade, pois dói tanto em mim a dor do mundo!
Aquele caminho, porém, vai mais adiante ainda, e dá diversas voltas que eu posso ver, e quantas dará que eu não vejo?
Penso que nesse especial caminho que eu não vejo está o meu futuro, e lá adiante, muito adiante do quadro, bem distante das demais, haverá uma casinha branca e simples, com duas janelas simples do lado, mas com tamanho suficiente para abrigar uma felicidade IMENSA, porque lá no meu futuro, quando as minhas mãos já estarão cheias de dores, naquele tempo que eu chamo de Tempo da Artrite, precisará haver uma casinha branca, ou alguma outra, não importa qual, mas precisará um lugar para viver a felicidade incomensurável de poder cuidar do meu Passarinho! O que eu não faria para poder viver tal felicidade?
E então estou aqui a olhar o caminho e a imaginar cada momento, cada detalhe de um tempo que um dia virá, e de como, mãos encarquilhadas pela artrite, sentaremos juntos, apoiados um no outro, sob uma árvore como aquela do quadro, nas tardes de setembro, e a brisa leve do sul do mundo virá e fará com que algumas flores caiam sobre nós e sobre a felicidade vislumbrada, e então lembrarei dessa Feira do Livro de Porto Alegre que já terá ficado para trás no tempo, e de como achei este quadrinho nela, o todo o longo caminho que o quadro mostra me acendeu em alegria, pois lá longe, lá bem longe, haverá uma casinha branca e uma chuva de flores caindo dentre a brisa da tarde, e então será o tempo de só ser feliz!

Porto Alegre, 08 de Novembro de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora
Uma guerra, que maravilha!

Uma guerra opera milagres econômicos inimagináveis: as empresas produzem e vendem a rodo não só armamentos, de balas de metralhadora a prodígios de extermínio em massa, como bombas, aviões, submarinos e centrais de comando & logística, mas também roupas, comidas e drogas alienantes, expedientes de suporte a soldados que, cada vez mais (graças aos avanços avassaladores da tecnologia em tempos de guerra), matam mais e melhor sem precisar ver a cara, os olhos, o pavor do inimigo sob sua mira implacável, um inimigo alcançado a distâncias sempre maiores - distâncias confortáveis para aplacar consciências e evitar pesadelos dolorosos -, até o dia de serem esses soldados, reciprocamente, atingidos à distância de forma igualmente implacável. A economia do inimigo também cresce na guerra.

De certa forma, uma guerra opera, ainda, milagres ecológicos significativos, desde que muita, muitíssima gente morra, abrindo espaço para a sobrevivência da espécie e aliviando a pressão insuportável sobre os recursos naturais decorrente da necessidade de garantir água, comida, roupa, remédio, habitação e conforto para bilhões de seres humanos. Morrendo muita, muitíssima gente, sobra mais para todos, isto é, para todos aqueles que sobrarem, ou sobreviverem à ação depurativa das guerras. Neste benefício das guerras não há espaço, claro está, para feridos, mutilados, incapacitados, deficientes e prisioneiros, para gente improdutiva de qualquer espécie (poetas e artistas, por exemplo, são improdutivos por natureza e tendência mórbida): é necessário que todos esses morram bem morridos para que o resto da humanidade se valha da redução brutal dos índices de densidade demográfica e ocupação do planeta.

Uma guerra desfruta da virtude adicional de criar heróis nacionais e estimular aventuras totalitárias de cunho e/ou respaldo militar, circunstância que faz a delícia de muita gente, incluídos aí políticos sem voto, desprezados pelo seu povo. Trata-se, enfim, de uma espécie de vingança deles, sua oportunidade de mostrar o que querem fazer "para o bem de todos", independente da vontade de todos, mesmo que contra as aspirações da maioria.

As guerras despertam e alimentam sentimentos universais de patriotismo, o que favorece enormemente a construção de opiniões unânimes de coesão popular, coisa que costuma ser chamada de consenso e tratada como indiscutível e inquestionável sob as penas da traição.

Guerras custam caro (razão por que dinamizam tão extraordinariamente a atividade econômica). Modestos, os governos (que as patrocinam) de hábito diminuem sua participação nesse excepcional processo de alavancagem da economia. Como informou, por exemplo, o jornal Washington Post do último dia 13, "o custo total da guerra no Afeganistão, iniciada em 2001, e no Iraque, desde 2003, já atingiu US$ 1,5 trilhão para os EUA - quase o dobro do que se acreditava até agora". Isto é maior do que o PIB do Brasil (1,2 trilhão) e significa uma conta de cinco mil dólares para cada estadunidense - incluindo as criancinhas e aqueles que não têm onde cair morto. E os abutres ainda querem invadir o Irã...

Só no Iraque já morreram mais de 3.850 jovens (militares) dos EUA - quase nada, se comparados aos 375 mil iraquianos (civis) desaparecidos. E quanta gente já morreu por lá?

O punhal mortífero que a sociedade estadunidense ainda não percebeu cravado nas suas costas é que um quarto dos seus 800 mil sem-teto é formado por veteranos de guerra. Mais grave: após o Vietnã, levava dez anos para um ex-soldado virar mendigo; hoje, mendigam, desajustados, jovens veteranos do Afeganistão e do Iraque, guerras que sequer terminaram.


(Amilcar Neves, escritor)

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Universidade em segundo lugar!
Por elaine tavares - jornalista


A eleição que ocorreu na Universidade Federal de Santa Catarina mostrou a verdadeira cara da academia. Mesmo desmascarado como uma impostura intelectual - assinando artigos que não escreveu, citando autores que não conhece – o candidato oficial teve 59% dos votos válidos de um total de 13% da comunidade universitária que resolveu ir às urnas. Os que votaram decidiram por manter a universidade como um espaço de negócios. Não importa que o reitor eleito tenha usado de uma impostura para difundir seu conceito de universidade, não importa que ele não tenha capacidade intelectual, não importa que ele tenha usado de ameaças, dizendo que vai “rever” o Instituto que é dirigido pelo homem que foi seu adversário. Nada importa. O que vale é que ele, que já dirige um projeto da Embraco na UFSC, seja o gerente eficaz para comandar o volume de negócios que é feito dentro das portas desta instituição que deveria ser pública.

Os trabalhadores que gostam de choramingar e denunciar assédio moral, os professores que reclamam não ser valorizados, os estudantes que preferem protagonizar factóides, estes decidiram ou votar na proposta de “bussines” ou se omitir. Basta ver que 59% da comunidade não votaram. As pessoas preferiram ficar nas mesas dos bares a dizer que não gostam de política, que não dá para mudar nada, que a vida é mesmo assim, que os centros ligados às humanidades são preteridos, etc... Triste academia essa. Incapaz de avançar para a mudança. Imobilizada e medíocre.

O Hospital Universitário, lugar que de alguma maneira é decisivo numa eleição, também optou por seguir apostando nos mesmos de sempre. Os que privatizam, os que terceirizam, os que praticam violência no trabalho. Os trabalhadores, cativos da servidão voluntária, não acreditam na sua própria força. Preferem se ancorar nos “salvadores” que, no mais das vezes, são os seus carrascos. Escondem-se no subterrâneo dos pequenos privilégios que aparecem como benesses de um pai amoroso, como por exemplo, as seis horas, que administração alguma se atreve a legalizar, embora faça vistas grossas. Claro, servem como moedas de troca na hora da eleição.

Entre os professores nenhuma novidade. Já faz muito tempo que uma boa parte deles desistiu da idéia de universidade. O projeto desta maioria é a busca desenfreada de dinheiro através de convênios mediados pelas fundações. Não querem saber de pensamento crítico, criação do novo, casa do saber. Querem, no melhor estilo do personagem Justo Veríssimo, “se arrumar”, produzindo para o mercado. Fora os que negociam migalhas como computadores, um prédio ou bolsas para projetos. Vendem-se por trinta moedinhas e nada querem saber de universidade com compromisso social.

Já os estudantes dividiram-se entre os que defenderam com unhas e dentes seus interesses, como os do CTC e os do CCS, os que valentemente (poucos) acreditaram no novo e os que (imensa maioria) preferiram se omitir entregando a universidade para os abutres. Os alienados de sempre não surpreenderam. A nota triste ficou por conta de um pequeno grupo de “lutadores” que fazem belos discursos contra o Reuni ou contra a reforma universitária, mas que, quietos no seu canto, deixaram passar a possibilidade de mudar a UFSC, ainda que um pouquinho só.

E assim, a UFSC segue seu caminho. Conservadora, alienada, praticamente vazia de saber. O que movimenta a vida no campus é o negócio, agora firmemente respaldado por 59% das pouco mais de 13 mil almas que participaram do processo. Já a maioria, cordeiros, bale nas veredas da universidade. Está mais interessada no diploma ao final de quatro anos. Os estudantes entrarão e sairão das salas de aula como autômatos, esperando a hora da formatura para entrar no mercado. Os trabalhadores seguirão sendo achincalhados, humilhados, pisoteados, mas sempre sorrindo e amando a mão que bate. Os professores farão projetos e ganharão dinheiro. A sociedade? Que se exploda! Ou melhor, que pague, e caro, pelo saber que financiou.

Já os poucos, os de sempre, os que acreditam que a universidade pode ser um espaço de conhecimento comprometido com o social, de saber, de sabor, de transformação, estes seguirão, firmes na luta. Uma luta que se faz não apenas na retórica ou no ato heróico, pontual, mas no dia-a-dia, no cotidiano da universidade. Afinal, mudança é coisa que demora gerações. E o bom é que pessoas há que não desistem! Permanecem, com olhos críticos, a mostrar que o rei está nu... Um dia, é certo, as gentes também verão essa escancarada nudez!
PORQUE NO TE CALAS?
Raul Longo

Porque no te calas, Dom?
Nem te envergonhas das civilizações
que exterminastes?
Incas, Maias e Astecas...
Sabedorias acima da alguma
que mal soubeste herdar dos 8 séculos
de pacientes mestres árabes.

Nada aprendes!

Porque não te calas, Senhor?
Nem te arrependes dos tantos de mim
que espoliastes da Patagônia à Califórnia?

Pirata, mercenário, usurpador:
acaso não te acordas
das tantas que estupraste?
Da gente que seviciaste?

Pelos povos que usurpaste
em América,
Ásia, África,
porque não te calas?

A quem te arrogas,
se sequer és dotado da galantaria
que a Quixote serviu?


Que ficção é essa
que crias para ti,
reizete de merda?

De Guernica
és o lado que o Mestre
sequer retratou,
pois se nunca estiveste
no desespero de tua
própria gente,
por quem te crês?

Cala-te e
devolve minha prata,
reponha meu ouro
bucaneiro arrogante!

Cala-te e
reconheça tua insignificância
que de majestosa só tem
a expressão da falência
de uma instituição anacrônica,
tardia em minha história.

A quantos ainda crês
como teus súditos?
Aqui nada és além de mero decorativo,
ridícula memória da vergonha
de um império há muito falido.

Porque não te calas, hombre?-

- Raul Longo
pousopoesia@ig.com.br
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Ponta do Sambaqui, 288688.051-001 - Floripa/SC
Fone: (48) 3335-0047

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Longe da curva do rio

(Poema de Mona Lisa)

me criei aqui no salto do rio
lugar de asfalto
de fuligem de fábrica
de ribeirão poluído de tinta

me criei aqui onde a cidade dos ipês fede um pouco

na saída da cidade na há o cotovelo do rio
mas o agouro está próximo, sem bar ou embarcação
pelas pedras não passa nada
lama e lixo nas beiras, restos humanos que desceram do vale

me criei aqui as margens do asfalto
da tremida e esburacada BR
me criei com o som das sirenes
do corpo de bombeiro tirando mais uma vitima da vala
do trevo
do asfalto

aqui é caminho, pra sair ou para chegar
e se minha escrita não é bonita
como os que fazem rotina no cotovelo do rio
explico que ainda criança, fui vizinha
da whiskeria e do puteiro

Blumenau fede um pouco
o rio é o mesmo
aqui ele é salto
aqui ele arranca as raízes
aqui ele é queda

não leva as flores de cabelos fridas
não tem coração
aqui o rio é o asfalto
é a beira da BR

aqui o rio é o que ninguém quer ver
aqui ele arranca pernas
aqui ele junta moscas

e se minha poesia não serve para livro
e se meu poema é lixo
é porque meu coração nasceu enterrado na pedra do rio,
duro como a margem do asfalto

não sou dos castelinhos
minha vizinha é prostituta

e ali onde a cidade dos ipês não fede
também não há espaço pra minha poesia
ela se derrete em mel de vespas
e cresce em doces palavrões

aqui onde eu moro
a cidade fede
a cidade dos jardins
também fede
aqui é a queda do rio


mona lisa budel
na marginal do rio !
Um Sonho no Bolso

Quantos olhos eu vejo dentro do sol? Ergue o braço menina em busca do teto sem sombra, onde andam seus passos? O fogo queima a pele, os pequenos dedinhos que nunca alcançaram as almofadas de nuvens, pedem comida na praça.
Um sorriso amarelo, reflexo do dia ensolarado, bolhas nos pés e um sonho no bolso. O que será do amanhã? Ela não pensa no que virá, mas tem a certeza de que tudo em sua vida é incerto e instantâneo, algo inevitável.
Balas, pirulitos, brinquedos, papéis para desenhar e coisas simples de criança, tudo ficou apenas na utópica lembrança, o mundo lhe roubou seu tempo, sua família, seus amigos, a sua vida dilacerada.
O barco segue sem casco, aumenta as lágrimas e o desespero de não ter para onde voltar, nada se sabe e o andar é apenas para frente.
Menina pequenina, grande mulher em seu amadurecimento prematuro, espalha alegria como se fosse jogar confetes no ar. Todos olham-na com um olhar de tristeza, todos sentem por vê-la no sinal, porém, esse sentimento é de peso na consciência, o vazio ainda é completo dentro do estomago, a menina sente fome, enquanto os outros sentem pena, ninguém lhe estende a mão, existe a desconfiança de perder o relógio ou algo que não os pertença.
A noite, sobre o cimento, debaixo do banco, perto do sinal, as luzes que param os carros, apenas ilumina seu corpo fraco e cansado. Quantos olhos ainda irão passar sobre ela?
20/11/2007 Rodrigo Rafael Giovanella (Kico).

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O CONTEÚDO DO LIVRO INFANTIL

Por Luiz Carlos Amorim (escritor e editor – Http://br.geocities.com/prosapoesiaecia )

É cada vez maior a quantidade de livros infantis que vem sendo publicados. Não é de hoje que o gênero mais vendido em feiras e bienais é o infanto-juvenil - os “contos de fadas” são vendidos até por centavos - e isso dá incentivo às editoras, grandes ou pequenas, de investirem mais no gênero. É importante que haja quantidade e variedade deste gênero destinado aos leitores em formação, pois é só oferecendo livros, colocando livros nas mãos e diante dos olhos de nossas crianças que teremos mais leitores amanhã.
Mas será que o conteúdo desses livros, apesar da quase sempre esmerada apresentação gráfica, às vezes até luxuosa, tem consistência literária?
Não vamos aqui falar dos antigos e tradicionais contos de fadas, as clássicas fábulas, lidos de geração a geração há mais de uma centena de anos, publicados em incontáveis edições, das mais sofisticadas às mais baratas. Não são eles os melhores conteúdos literários. Muitas daquelas fábulas não são nem politicamente nem educacionalmente corretas.
Vamos focalizar a literatura infanto-juvenil brasileira, tão fecunda e tão promissora: uma boa parte do muito que se tem publicado para o público infantil no Brasil é de grande qualidade literária, com excelente conteúdo. Existem, sim, aqueles livros com brilhante apresentação, com visual esmerado, mas com conteúdo que não acompanha a beleza das ilustrações e edição apurada: o apelo maior é mesmo para as cores e desenhos.
Mas há muitas edições infantis e infanto-juvenis que primam pelo conteúdo, tanto que às vezes podem prescindir da arte plástica, das ilustrações e cores. E outras em que a qualidade literária acompanha a excelente apresentação gráfica, equiparando-se e complementando-se texto e ilustração.
Desde Monteiro Lobato temos tido, cada vez mais, bons autores de literatura infantil e infanto-juvenil em nosso país. Nomes conhecidos e consagrados em todo o Brasil e nomes com grande popularidade em seus estados, muitos com dezenas de ótimos escritores de textos para crianças, alguns com projeção nacional.

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Obra de Arte
Teu corpo é para mim
Uma tela em branco
Onde desenho meus desejos
Com meu corpo
Diluído em tintas
Cobrindo teus relevos
Desenho meus desejos
Na obra de arte
Eternamente inacabada
Pelas novas paixões que desenho
Isabel Mir
Novembro/2008


Cão de caça não nega a raça

Eu cresci num mundo povoado de fadas, de histórias de santos e de histórias árabes – as fadas vieram dos livros e, decerto, da minha avó lituana, e em histórias de fadas sempre acaba tendo também duendes, e príncipes, e reis. Já as histórias de santo vieram através da minha mãe, fervorosa católica. O que nunca entendi foi como me chegaram as histórias árabes – que só identifiquei como árabes mais tarde, estudando literatura de Santa Catarina – o fato que na minha infância se contavam muitas histórias árabes, no meu colono bairro do Garcia, um bairro de origens alemãs, numa cidade de origens alemãs, no sul do Brasil. O fato é que eram famosas, lá, histórias como as da Moura Torta e outras.
Mais tarde cresci e estudei muita História, e descobri que nem sempre os príncipes eram encantados, como se dizia nas histórias de fadas, e também descobri a história de muitos outros príncipes, que nada tinham a ver com trajes de veludo e de cetim, mas que usavam chompas[1] de pêlo de lhama ou fascinantes e elaborados cocares de riquíssimas penas de aves, um dos quais existe em minha casa, herança muito amada por mim. Os príncipes de verdade, os reis de verdade, aqueles das chompas e dos cocares não viviam histórias bobinhas de moça engasgada com pedaço de maçã e coisas assim, pois eles eram tão formidáveis, que as moças se inclinavam à sua passagem e iam livremente ao seu encontro – e eles não precisavam de beijinhos açucarados para acordar moças engasgadas com pedaços de maçã, pois suas moças eram as rainhas de coisas vitais para grandes civilizações, como o milho, a batata, o amendoim, o tomate, e tantas outras. Eram príncipes e reis que viviam em perfeita harmonia com a natureza, de povos guardiões de sabedorias milenares[2], de civilizações únicas, de grandes impérios[3] - e que tinham, como desvantagem, não conhecerem a pólvora e as armas de fogo – e quando o europeu invasor chegou a esta Abya Yala[4] que hoje costumamos chamar de América, possuidor que era das novas tecnologias da guerra, e adentrou a ela segurando na mão uma espada e na outra uma cruz (o arcabuz ia a tiracolo), e portando os mortíferos germes das doenças que tinham adquirido no meio da sujeira em que vivia, não foi muito difícil o saque, o morticínio, o sadismo, o horror – e o domínio do novo continente em pouco tempo, conquistado em nome de um deus que não devia fazer a menor idéia das barbaridades que se perpetravam em seu nome.
As crueldades do domínio foram tamanhas que uma poderosa voz acabou se fazendo ouvir a favor da nossa gente de Abya Yala, a de Frei Bartolomé de las Casas, religioso que dedicou a sua vida a proteger o que já não poderia mais ser protegido. Nem vou entrar no capítulos da barbaridades sexuais e outras que o invasor europeu perpetrou na nossa América – vou apenas citar um pedacinho do que viu Bartolomé de las Casas: “Eu vi uma vez quatro ou cinco dos principais senhores torrando-se e queimando-se sobre esss gradis e penso que havia ainda mais dois ou três gradis assim aparelhados; e pois que essas almas expirantes davam grandes gritos que impediam o capitão de dormir, este último ordenou que os estrangulassem; mas o sargento, que era pior que o carrasco que os queimava (eu sei seu nome e conheço seus parentes em Sevilha), não quis que fossem estrangulados e ele mesmo atuchou pelotas na boca a fim de que não gritassem, e atiçava o fogo em pessoa até que ficassem torrados inteiramente a seu bel prazer.(...)” [5] .
Aconselho a todos que leiam tal autor e possam fazer seus próprios juízos quando a mídia oficial fala as bobagens que fala.
Pois bem, ultrajada, vilependiada, humilhada, torturada, dizimada[6], a população da minha América, da minha Abya Yala, encolheu-se e foi obrigada a aceitar o jugo – mas no encolhimento ficou a resistência, e é só agora, mais de 400 anos depois, é que os povos antigos, as culturas antigas, estão conseguindo retomar seu lugar, e nossos “índios”[7] e seus mestiços voltam a liderar seus povos, e temos gente como Hugo Chavez, na Venezuela, e Rafael Correa, no Equador, e Evo Morales, na Bolívia, e sabe-se lá mais quantos estão vindo por aí, e a roda da História vira, e hoje são eles os que sentam nas cadeiras juntos ao muy ridículo rei de Espanha em Encontros Internacionais, e têm liberdade de dizer os seus pensamentos de igual para igual – mas o reizinho fascista não tem estrutura para a crítica, não tem paciência para essas pessoas de terceira categoria que foram meros escravos dos seus antepassados, gente que nem alma tinha antes – que estão a fazer ali, tendo idéias, pensando – e até melhor que ele! – e não suportou muito tempo a reunião da semana passada. No último sábado, deixando de lado tudo o que deveriam ter lhe ensinado, interrompe uma cimeira íbero-americana aos berros, dizendo a um dos líderes da nossa gente vilependiada (antes e também agora – porque o neo-colonialismo europeu é uma verdade das brabas!) que se cale, e quando diversos líderes das nossas terras caíram de pau em cima dele (por conta dos dois colonialismos), botou o rabo entre as pernas e abandonou a reunião.
Que é que tu pensavas, heim, ô reizinho à toa? Apesar da nova fase do colonialismo (leia-se: Santander, Telefônica, Banco Real, Banco Mercantil, e muitos etc.), tu não passas é de um reizinho à toa, que ainda não se conformou que hoje já não se podem queimar americanos bem torradinhos em fogo lento, nem mandar despedaçá-los por cães treinados, nem despedaçar com espadas as barrigas de mulheres grávidas para fatiar o bebê, entre outras coisas, como nos conta Bartolomé de las Casas.
Vai pra casa, ô bobão, vai beijar mocinhas engasgadas com pedaços de maçã, que aqui tu só nos incomoda e só nos faz mal! Nosso tempo de escravidão está passando, e quem sabe a gente não perde a diplomacia e te solta à frente de um bando de cachorros treinados, né?
Blumenau, 16 de Novembro de 2007.
Urda Alice Klueger – Escritora e historiadora.

[1] Chompas: blusas, creio que na língua quíchua ou aimará.
[2] No país Equador, neste momento, está funcionando a Universidade Amawtay Wasi (em portuguêsl: A Casa da Sabedoria), que resgata e reaviva os saberes antigos. Lá, você pode cursar Direito, Medicina, Arquitetura, História, etc., como em qualquer universidade, com uma diferença: há que aprender quíchua primeiro, e depois passar um período DESAPRENDENDO o pensamento eurocêntrico. Tem europeus em penca vindo aprender tais saberes lá.
[3] Você sabia que, no século XVI, quando o europeu invasor chegou a Tenoxtitlán (hoje, cidade do México), encontrou uma cidade com 200.000 habitantes, com tais confortos e benfeitorias que até água encanada havia em cada casa? Nessa altura, a maior cidade da Europa era Paris, com 80.000 habitantes e enterrada na sujeira de séculos de imundície.
[4] Abya Yala = numa língua antiga da América Central significa “Terra Mãe”.
[5] LAS CASAS, Frei Bartolomé de. O Paraíso destruído – A sangrenta história da conquista da América. Porto Alegre, 2001, L&PM Editores, p. 35
[6] Só nas minas de prata de Potosi morreram 8.000.000 de índios, de maus tratos e fome, conforme nos conta Eduardo Galeano.
[7] Nome chato, não? Há que se pensar que, quando chegou aqui, Colombo achou que tinha chegado ao outro lado da índia – daí este nome que não quer dizer nada para nós.