terça-feira, 31 de julho de 2007







Perceba
Aonde anda
O amigo.

Receba.


Rodrigo Rafael Giovanella (Kico)
( Mari - Stranger / fotografia)


Couve-flor

O que houve
com o meu amor
que era pedra
e hoje é flor?


O que houve
com a minha couve
que era verde
e hoje é couve-verde-flor?


O que houve
Com a minha verdureira?


Quero tomates
Para curar esta aldeia.


Rodrigo Rafael Giovanella (Kico)

Indaial – SC.



Resgatar o coração


Leonardo BoffTeólogo


Seguramente a crise ecológica global exige soluções técnicas, pois podem impedir que o aquecimento global ultrapasse 2 graus Celsius, o que seria desastroso para toda a biosfera. Mas a técnica não é tudo nem o principal. Parafraseando Galileo Galilei podemos dizer: "a ciência nos ensina como funciona o céu mas não nos ensina como se vai ao céu". Da mesma forma, a ciência nos indica como funcionam as coisas mas por si mesma não tem condições de nos dizer se elas são boas ou ruins. Para isso temos que recorrer a critérios éticos aos quais a própria prática científica está submetida. Até que ponto, apenas soluções técnicas equilibram Gaia a ponto de ela continuar a nos querer sobre ela e ainda garantir os suprimentos vitais para os demais seres vivos? Será que ela vai identificar e assimilar as intervenções que faremos nela ou as rejeitará?

As intervenções técnicas têm que se adequar a um novo paradigma de produção menos agressivo, de distribuição mais equitativa, de um consumo responsável e de uma absorção dos rejeitos que não danifique os ecossistemas. Para isso precisamos resgatar uma dimensão, profundamente descurada pela modernidade. Esta se construiu sobre a razão analítica e instrumental, a tecnociência, que buscava, como método, o distanciamento mais severo possível entre o sujeito e o objeto. Tudo que vinha do sujeito como emoções, afetos, sensibilidade, numa palavra, o pathos, obscurecia o olhar analítico sobre o objeto. Tais dimensões deveriam ser postas sob suspeição, serem controladas e até recalcadas.

Ocorre que a própria ciência superou esta posição reducionista seja pela mecânica quântica de Bohr/Heisenberg seja pela biologia à la Maturana/Varela, seja por fim pela tradição psicanalítica, reforçada pela filosofia da existência (Heidegger, Sartre e outros). Estas correntes evidenciaram o envolvimento inevitável do sujeito com o objeto. Objetividade total é uma ilusão. No conhecimento há sempre interesses do sujeito. Mais ainda, nos convenceram de que a estrutura de base do ser humano não é a razão mas o afeto e a sensibilidade.

Daniel Goleman trouxe a prova empírica com seu texto a Inteligência emocional que a emoção precede à razão. Isso se torna mais compreensível se pensarmos que nós humanos não somos simplesmente animais racionais mas mamíferos racionais. Quando há 125 milhões de anos surgiram os mamíferos, irrompeu o cérebro límbico, responsável pelo afeto, pelo cuidado e pela amorização. A mãe concebe e carrega dentro de si a cria e depois de nascida a cerca de cuidados e de afagos. Somente nos últimos 3-4 milhões de anos surgiu o neo-cortex e com ele a razão abstrata, o conceito e a linguagem racional.

O grande desafio atual é conferir centralidade ao que é mais ancestral em nós, o afeto e a sensibilidade. Numa palavra, importa resgatar o coração. Nele está o nosso centro, nossa capacidade de sentir em profundidade, a sede dos afetos e o nicho dos valores. Com isso não desbancamos a razão mas a incorporamos como imprescindível para o discernimento e a priorização dos afetos, sem substitui-los. Hoje se não aprendermos a sentir a Terra como Gaia, não a amarmos como amamos nossa mãe e não cuidarmos dela como cuidamos de nossos filhos e filhas, dificilmente a salvaremos. Sem a sensibilidade, a operação da tecnociência será insuficiente. Mas uma ciência com consciência e com sentido ético pode encontrar saidas libertadoras para nossa crise.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

(Denise Patrício - Salto no escuro / OST)






GUERRA

Ernesto Ehmke


Ouço ao longe surdo baque,
Sinto perto mortal explosão.
Sinto, vejo, choro sem saber
Se ou por quê?
Caminho por entre corpos,
Inertes, congelados, dilacerados,
Que passivos, estáticos, sem dor
Sem saber de onde veio a morte.
Eu, não podendo respirar,
Pois o inimigo lança um gás,
Mas, inimigo de quem?
Não o conheço, mas o mato.
Mãos atadas amigos e inimigos
Que não sabem a quem matar,
E quanto tempo mais ainda,
Vou matar quem não conheço?
Vai acabar em um dia,
Um mês, quem sabe um ano.
Ouço o grito da metralha,
Lanço-me ao chão e rezo,
Sentindo o odor da morte,
Vejo muitos caírem,
Traspassados por projéteis,
Corpos caem sobre sangue,
Gemidos terríveis, agonizantes
Chamam pela morte.
Membros dilacerados
Misturam-se ao barro,
Ajoelho-me e peço a Deus
Por um projétil perdido,
Que atinja meu cérebro,
Jogando-me por terra,
Sem nada ouvir ou sentir,
Unir-me aos amigos,
Entre membros, terra e sangue,
Inerte, em silêncio, morto...



MÁGOAS

Ernesto Ehmke


Sentimentos de pesar, dor,
Tristeza por perder,
Lembranças de um amor,
Que nos deixou a sofrer.
Mágoas são noites escuras,
Com um negro amanhecer,
São céus sem estrelas,
São vidas sem viver.
Mágoas são dores passadas,
São olhares furtivos,
São estrelas apagadas,
Ou corações cativos.
Mágoas são mundos escuros,
Sem o brilho das estrelas,
Que torna maior a dor...
Dor que nos lembra,
Amores, alegrias passadas.
Lembra a beleza dos anos,
Um beijo carinhoso,
Uma estrela perdida no céu...



DECLARAÇÃO

Ernesto Ehmke


Ao escurecer vêm as noites...
Noites que se tornam dias...
Dias que aparecem, surgem
Repleto de amor, de amores.
Eu só pensando em ti,
Amor meu... meu amor,
Penso ter-te contigo,
A meu lado em meus braços.
Ter-te é o meu viver,
Respiro teu perfume,
Imagino tua face, teu sorriso.
Chamo teu nome,
Ignorando a distância.
Amor meu... meu amor,
Jamais imaginei poder,
Amar alguém como te amo,
Não sei por quanto tempo,
Sei que te encontrei,
Sinto meu amor crescer...
Crescer como uma criança.
Hoje sei que te amo...
Te amo mais do que ontem,
Te amo menos que amanhã.
Espero te ver sempre sorrindo,
Adoro estar ao teu lado,
Meu amor é todo teu,
Ontem, hoje, amanhã e sempre.



DEFINIÇÃO

Ernesto Ehmke


Estremeceu, meu corpo vibrou, gelou.
Luz, uma luz meus olhos cegou.
Luz, uma luz natural, humana.
Ecoou em meu ser uma melodia,
Notável, singela, pura e bela.
Então, despertei, voltei ao mundo,
Olhei, não acreditando, olhei...
Simples igual a um sorriso,
Tocante tal e qual lágrima,
Fechei os olhos, não crendo,
Abri e diante de mim estava,
Toda a beleza de um ser,
Terna, meiga, inigualável.
Furtivo, temendo, mais perto cheguei,
Sentindo bater forte no peito,
Um coração, nervoso, trêmulo.
Era real, existe, estou vendo.
Senti vontade de tocá-la, senti-la,
Aconteceu, estremeci de alegria.
Sei agora é real... é real,
Existe, não é um ser estranho,
Ou uma criatura anormal,
É uma mulher, simples e bela,
Igual as outras que existem,
Porém diferente, não sei como.
Senti nela um calor... calor humano,
Senti amizade, carinho e ternura.
Senti força, confiança e alegria...
Alegria por saber que ela existe,
Saber como encontra-la e falar...
Falar e ouvi-la, olhar nos olhos,
Senti-la perto, quem sabe toca-la.
Agora fecho os olhos sonho...
Sonho estar ao seu lado.
Sinto vontade de gritar...
Gritar seu nome, mas me calo.
Volto à realidade, triste e alegre.
Triste por não estar ao seu lado,
Alegre por saber que existes.
Agora sei que és diferente,
Sendo igual a todos,
És diferente por estares,
Guardada na minha mente,
Gravada no meu coração...


POUCAS PALAVRAS

Ernesto Ehmke


Com poucas palavras, muito se diz.
Se expressa na mais simples forma,
Com a ternura de um sorriso,
Com um simples gesto amigo.
Em poucas palavras, surpresa...
Surpresa pela força da amizade.
Tendo sempre na face, um sorriso,
Demonstrando felicidade, alegria.
Usando mil maneiras, ardis,
Para esconder dores, sentimentos,
Omitindo lágrimas, temores.
Sentindo que todo sorriso,
Mantém feliz um amigo.
Palavras, forma de expressão,
Que surgem, passam e vão.
Amizade, forma sem definição,
Que permanece pelo infinito,
Sobrepondo-se as dores, aos conflitos.
Com gestos simples, amigos,
Com poucas palavras, sorrisos.
Sentimos a força da realidade,
Sentimos real, a amizade.

(Isabel Mir - Peixe / Escultura em aço)


NADA

Nada ficou
Alem do esperado
Ficamos calados
Olhares parados
Bocas fechadas
Tudo passou
As certezas
Os olhares fúteis
As falas inúteis
Agora é o fim
O esquecimento
Dos sentimentos
Das juras
Dos desejos
Das promessas
O futuro será
A solidão
O desalento
O desafeto
Dos olhares
Perdidos
Das palavras
Não ditas
Nada ficou

Isabel Mir/2006


Menção Honrosa nacional em Poema no 10º Premio Missões.

(Denise Patrício - Fiandeira /instalação)


Coisas do Homem - Poemas

Denise Patrício


I


rogo às urdiduras
às tramas indissolúveis
ao tecido roto das relações



II

limbo é o cimo
o hiato, as agregações
a dor é a tônica dos extremos


III

o torso das palavras
acima das ancas largas
goza canções eternas







IV

córrego de bocejos
deslumbram
a clarividência da noite



V

feixes de risos
a caverna está viva
lá onde mora o passado



VI

esgoto de palavras
vago espaço
entre as cisões






(Denise Patrício - Fiandeira / instalação)
Texto da Urda - É O BICHO!



Tem coisas que não dá para entender. Outro dia o MST ocupou uma terra que estava abandonada pelo Exército há 40 anos e a terra estava toda plantada de soja – então, poucas horas depois da ocupação, o Exército foi lá com canhões, tanques e ambulâncias, para expulsar dali as famílias com suas crianças, como se se tratasse de uma verdadeira invasão estrangeira. Na época, escrevi minucioso texto sobre o assunto, querendo saber, principalmente, o que fazia aquela soja ali, pois soja é agricultura de rico, de poderoso – e por que é que ali não se podiam plantar repolhos e outras coisas assim, agricultura de pobre? Alguém do Exército estava ganhando mamadeiras de grandes plantadores, bem cheias de outra coisa que não leite – como é que os tanques não apareceram naquela terra na hora em que a soja estava sendo plantada? Eu estava lá, e vi com estes olhos que a terra há de comer e peguei com as mãos que os bichos também irão devorar aquela soja que era um mistério, e depois interpelei as autoridades, e mandei pessoalmente o meu texto com tal indagação para as caixas postais do Presidente da República e dos ministros competentes – e ninguém me deu a mínima. Soube, no entanto, que o Exército abriu inquérito a respeito da ocupação (não da soja) lá em Curitiba, e mesmo sem ter jurisdição a respeito, está chamando civil daqui de Blumenau, que nada tinha a ver com a soja, para ir a Curitiba depor. Eu, heim?
E por aí está cheio de coisa que a gente não entende. Alguns amigos meus, em Florianópolis, estão passando o bicho por causa de um certo Bicho que se diz que é neto de outro Bicho, mas, tanto quanto sei, o Bicho atual sequer consegue comprovar que é neto do Bicho do passado, e já houve julgamento e condenação dos meus amigos, e sei que quem julgou nem leu o processo e nem o livro condenado – o que será que o juiz em questão tem a ver com o Bicho?
Como a gente está num país (e num mundo) onde quase tudo está muito controverso (tem gente que acredita que nos Estados Unidos existe uma democracia, e também tem gente que acha que a ditadura grega do tempo das ágoras, onde mais ou menos 10% da população – homens adultos, cidadãos livres – mandava e os outros 90% - mulheres, escravos, etc. – obedecia, era o máximo), achei por bem perguntar para o meu advogado se eu podia escrever sobre os dodóis do Bicho sem que o juiz que pôs curativinho neles (curitavão, há que se dizer: indenização por danos morais e livros na fogueira, a própria Santa Inquisição solta por Santa Catarina!) tivesse motivos para me botar em cana ou me pedir, também, indenização por danos morais. (Ah! Se a moda pega, começo a pedir indenizações também!). Sabem o que disse o meu advogado? Que com a justiça não se mexe, esteja ela certa ou errada. E o Lalau, como é que fica? Nunca ninguém poderia cobrar do Lalau, só porque ele é juiz?
Na verdade, estou com uma baita vontade de vomitar. Para piorar a situação, no domingo, espiando o Fantástico, acabei vendo reportagem onde aquele programa de tão diferente naipe se deleitou em malhar a justiça do Paraná, porque se negara a deixar entrar numa audiência trabalhista sem sapatos um pobre desempregado que de calçado só possuía o seu chinelo “de dedo” – não é todo o dia que se pode falar bem do Fantástico, mas naquele dia ele estava certíssimo – tanto quanto se está procurando apurar (já vi diversas coisas correndo na Internet, a respeito), não há lei neste país que obrigue a desempregado ou empregado a possuir lustrosos sapatos para adentrar a um Fórum. Então pergunto: por que o Fantástico pode criticar justiça e juiz para todo o país, e eu não posso escrever uma linhazinha a respeito da (in)justiça que alimenta Bichos no meu Estado? Será porque o Fantástico pertence a uma grande cadeia de televisão repleta de acionistas ricos, e eu sou uma pobre escritora de província, a quem ninguém dá importância, como aconteceu quando pedi para saber sobre aquela soja na terra do Exército? Alguém pode me responder? Heim? Heim?
O caso é que o tal Bicho processou os meus amigos, o escritor Amílcar Neves e o editor Chico Pereira, gente dileta do meu coração, mas poderia ser estranha que daria na mesma, pois injustiça é injustiça, e sem conseguir sequer comprovar que o Bicho do livro era o Bicho seu avô, sentiu-se todo cheio de dodóis e disse um monte de bobagens, e misturou os textos do livro (é uma peça de teatro em diversos atos e com diversos personagens) e disse que a fala tal, que era dirigida a um personagem, e a outra fala, que era dirigida a outro, que tudinho tudinho no livro tinha sido dirigido ao vovozinho que ali no livro era apenas um personagem de teatro, e que acabou quase como ladrão, pois roubou as falas dos outros personagens – não quero falar do Bicho antigo, estou falando do Bicho espertalhão de agora, que conseguiu fazer a salada e botar na boca do seu pretenso avô coisas que nem no livro não está – ou será que de espertalhão o Bicho não tem nada, não sabe, mesmo, é ler direito, e foi na conversa de outros ignorantes e/ou espertalhões, quando bateu às portas da justiça pedindo curativo pros dodóis que sentia , frisson de netinho injuriado?
Eu não arriscaria dizer que o juiz que julgou a causa também não soubesse ler e não tivesse lido o livro, como seria de justiça, para poder agir salomonicamente, pois para ser-se juiz é necessário estudar-se um bocado, embora cada um de nós saiba que, como sempre, em todas as classes de todas universidades, têm aqueles alunos que fazem o curso na flauta, para não dizer coisa pior, e mandam fazer fora seus trabalhinhos universitários, o que também é de conhecimento público, e depois, das universidades, saem engenheiros que constroem pontes que caem e médicos que esquecem tesourinhas dentro da barriga dos pacientes.
Não vou dizer que o tal Dr. Juiz do qual só o Fantástico poderia falar tenha feito tal coisa, mas que julgou sem ler o livro, lá isso julgou! E então os meus amigos agora tem que pagar bem saborosa indenização (para quem gosta de dólar: dá 7.500 dólares, um dinheirão, dá para qualquer Bicho fazer a maior viagem!), além de multas e da incineração do livro – talvez não seja armada fogueira em praça pública, afinal – enfim, aqui é a Santa e Bela Catarina, terra de gente desenvolvida, e ia ficar feio ver um monte de gente fotografando aquele monte de livros queimando, como numa certa Noite dos Cristais, tão a gosto de certos catarinenses, quem sabe até do Bicho – sabe-se lá o que aquele sujeito pensa! – mas vai ter que haver a fogueira, provavelmente no escondidinho, pois fica feio um monte de gente saber que a Santa Inquisição é coisa ativa por aqui, e ainda têm os dodóis do Bicho, que, decerto não há de querer que se saiba que ele confundiu até juiz com os dodóis que sente quando se fala daquele que teria sido seu avô ... Ô Bicho, que coisa mais feia! É de desanimar qualquer cidadão de bem, qualquer escritor que acredita na sua profissão, qualquer historiador decente! Sempre gostei tanto de bichinhos... nunca pensei que um dia a vida virasse o Bicho!

Blumenau, 26 de Junho de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora e historiadora
(foto: Mario Holetz)




Eu deveria escrever poemas


Marco Antonio Struve


Eu deveria escrever poemas concretos
Com temas corretos e definidos
Mas o coração insiste em atravessar
Desregrar os temas e os tempos
Colocar-se entre os temas cotidianos
E as obrigações protocolares
Me deixando apenas silencio
De uma folha de papel
E o barulho da chuva que cai.
(Foto: Mario Holetz)

Azul
Marco Antonio Struve

Eu sou todo de estrelas derretidas
E transparências de ritmos invisíveis
Sou incendiário envolto em azul
E me coagulo com incerteza e luz.
Felizes os que nascem mariposas
E tem a luz do luar em seus vestidos.
Eu dissolvo no sol todo o azul impossível
Azul de corações e de forças
Azul de rios e de mãos
O azul de mim mesmo.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

(esultura: Elke Littig)




dias suaves de luz

momentos raros ...

de surpresas e de alegrias

Elke Littig

texto da urda - Os campos de Érico Veríssimo

Fukuda




Os campos de Érico Veríssimo

(Para Emília do Nascimento Machado e Marília Klein Pinheiro, do Museu de Érico Veríssimo de Cruz Alta/RS)

Nem sei como começar. Talvez pelo dia, lá na década de 1960, quando descobri, entre 30.000 outros, na Biblioteca Pública da minha cidade, um livro que me levou de roldão no Tempo e no Espaço e que talvez tenha sido o primeiro grande livro que me moldou, que fez com que acabasse tendo a vida que tenho hoje... Lembro daquele dia, sim, nas Missões Jesuíticas, antes de Pedro Missioneiro nascer, e do padre cheio de culpa por um erro acontecido na juventude, lá na longínqua Espanha ... e aquele padre foi quem acabou criando o menino e foi quem deu a ele um punhal muito bonito que tinha ...
Talvez tenha sido Pedro Missioneiro o primeiro grande herói da minha primeira adolescência, e talvez tenha sido com ele que tenha aprendido a primeira palavra em espanhol, quando ele, fatalisticamente, explica a Ana Terra que não há por que fugir, pois ele já viu a sua morte num sonho, “sob um arból”...
E os seios de Ana Terra, que tremiam como se fossem feitos de coalhada, e o susto dela quando viu, pela primeira vez, espelhada na água da sanga a imagem daquele Pedro Missioneiro que geraria toda uma longa linhagem de heróis para a minha quase infância – e que acabariam sendo meus heróis, dentre outros, para toda a vida...
Não cabe, aqui, lembrar tudo, embora as lembranças me venham em turbilhões, como revoadas de pássaros a me envolverem, e nem sei como cabe dentro de mim tanta lembrança... Mas dá para sintetizar dizendo que tudo começou quando encontrei por acaso, dentre 30.000 outros, aquele livro maravilhoso que seria como que um primeiro leme na minha vida e na minha imaginação. Aquele livro era como puxar de lado uma cortina e deixar resplandecer para aquela quase criança as imagens radiosas do futuro que eu passaria a abraçar a partir daquela descoberta, e desde então ele foi e é absolutamente forte na minha vida, e penso agora, neste momento, se algum dia Érico Veríssimo pensou que aconteceria tanta coisa, como ter seus livros traduzidos para o chinês, ou que nas terras de Santa Catarina, que nem eram assim tão distantes, uma menina que ia de bicicleta até a Biblioteca Pública leria algumas dezenas de vezes aquele livro, e passaria a viver em prol da imaginação porque houvera ele, como grande Mestre, a lhe dar a certeza de que tal era possível!
Ah! Érico Veríssimo, meu Mestre querido, como sofri, uma década mais tarde, quando ouvi, no rádio de um carro, numa rodovia distante, que tinhas partido e que eu nunca te conheceria – se bem que então parecia-me impossível conhecer de verdade alguém tão fantástico assim! Choro amargamente agora, lembrando daquela noite, daquela notícia no rádio do carro, da grande perda que estava sofrendo, embora tivessem ficado os livros, e Pedro Missioneiro com o seu chiripá, e Ana Terra com os seios trêmulos como coalhada, e o palco da Imaginação todo iluminado e com as cortinas abertas.
Muito tempo se passou, muito tempo. Na próxima madrugada estará fazendo duas semanas que, enfim, como num sonho, eu fui lá. Viajei de ônibus, e amanhecia quando acordei, e havia ainda uma penumbra difusa sobre tudo, e transparentes nacos de neblina a fazer com que as coisas parecessem um pouco irreais, mas não eram. Eu tinha, afinal, chegado aos campos de Érico Veríssimo.
Aquela emoção que viera com o livro achado entre outros 30.000 não mudara, e ela veio e me sufocou de maravilha, porque, enfim, eu fora lá... E transida de emoção, como neste momento de novo me sinto, fui espiando tudo, e olhando, e entendendo que era ali, sim, que eram aqueles, sim, os campos de Érico Veríssimo! Faltava um bom pedaço para chegar à cidade de Cruz Alta, talvez uns 30 ou 40 quilômetros, e deu para ver muito bem o clareamento do dia, e as palavras desconhecidas para mim que ele usava, como sanga, por exemplo, a desfilarem pela beira da estrada como um rebanho de entes muito queridos que só agora a Geografia me mostrava, e em pleno fascínio eu espiava, pois tinha certeza que, de repente, Ana Terra passaria pelo campo com sua trouxa de roupa para lavar e entraria por dentre um amontoado de árvores, e eu poderia ver o susto dela ao deparar com um índio desacordado...
É tão pouco o espaço de uma crônica para contar como realmente foi! Ali naqueles campos, sem que eu nunca os tivesse visto, começaram a se formar, um dia, as estruturas da minha vida. Só alguém tão grande quanto Érico Veríssimo para ter transposto aqueles campos para o distante Vale onde eu me criei, e tê-lo feito tão bem que bastava olhá-los para os reconhecer. Foi muita emoção. Nem dá para contar mais hoje.

Blumenau, 26 de Junho de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora


REGISTROS DA MEMÓRIA


Vento que me trouxe
Pelas águas da enchente
Problemas de asma
E a amargura da perda

Foi, talvez, um desatino
Destino de meu pai
Parar nesta cidade
Onde os dias ficam parados

Mas, ganhamos
Novos aprendizados
O olhar da criança
Ainda é de criança
No corpo adulto

O circo
Que sempre
Veio a esta cidade
Nunca entrei,
O palhaço
Soltou-me um sorriso
E eu caminhei
Com vontade
de estar lá dentro

o tempo foi
e percebi que a escola
me deixou marcas,
sementes de milho
e tampinhas de refrigerante
que tive de me ajoelhar


Saudade
Do pão de milho,
Das guerras de goiabas
E do engendrar de cabanas

Algo está dentro de mim
Desse tempo,
A memória
De correr descalço
Pelas ruas da cidade.



Digo, Indaial,
Ainda é,
Porém,
Já foi,
Agora me preocupo
Com a memória conturbada,
O momento presente,
Apagado na evolução da internet

Surge
Um conflito
Entre as rosas e os gritos,
Gente chorando,
Rindo,
Roubando,
Doando para amenizar a sua consciência.

Os sapatos
Estão cheios de flores,
A vila
Cheia de sombra
Habita o índio,
O professor
Está demasiadamente cansado,
A aula sempre a mesma?
Não!
A violência que é emergente.

Susto na alma,
e a pergunta:
que barco leva a este planeta?
A calma
Continua na tempestade
Da colina,
O colono morreu
Foi enterrado dentro
De uma enorme melancia.

Espelhos refletem
O filme do passado
O menino grande
Era pintado de cinza,
Hoje, se veste de cores
E máscaras de pudim

Pai,
Que água
Trouxe-me aqui?


Pé ante pé,
Caminho no escuro
À procura da luz,
O câncer
Dá voltas dentro dos pulmões,
Melados açucarados
Dentro das dentaduras,
A arcada dentária
Foi censurada.

Pai,
Quanta tristeza
Dentro dos olhos,
Quantas palavras ditas
Por ti

Observo
Os animais transgênicos
Dentro do supermercado
E o homem
Transpassado e marcado
Pelo código de barra,
Sento ao lado
Da minha boneca de pano,
Minha esperança,
Estrela que
Brilha dentro
Do coração






Rodrigo Rafael Giovanella (Kico)




Indaial,11julho de 2007.
(Foto: Mario Holetz)


Marinha
Marco Antonio Struve

A beira do mar
Nuvens vão crescendo
Com um rio de gestos brancos
Girando sobre a manhã

Na primeira hora
O sol de papel de embrulho
Desliza atrás dos olhos fechados
Que se impregnam de terra

O vento escorrendo imóvel
Agita nos bolsos das roupas penduradas
Geografias de lembranças

Diário e lento alguém caminha
Alem do sonho e da lua
Cantando coisas que não ouço.













(foto: Mario Holetz)

O inverno

Marco Antonio Struve

O inverno desata seus ventos
Lança uma sombra cinza e fria
Sobre os relógios de sol de
Onde as horas vão caindo pesadas.

Algumas folhas que rondam pela rua
Ficam enredadas nos cabelos
Como aves capturadas ao acaso
Dentro da alma das arvores.

Quem esta sozinho busca alguém
Escreve cartas de longas saudades
Se afoga em livros e doçuras

Insone, deixa escorrer as idéias
Pelas folhas de papel e pela janela
Enquanto o vento carrega águas.