quarta-feira, 26 de setembro de 2007




Lágrimas do Itajaí



O peixe
triste
solta
lágrimas
imperceptíveis
nas águas
turvas
de garrafas pet.

Papéis
voam como pipas
em busca de um lugar
ao sol.

Sacolas, argolas, gaiolas e pneus,
juntam-se no balançar das águas do rio,
amontoados de coisas que produzimos,
inimagináveis,
rimos a rima sem nenhuma poesia,
não há lugar para as pedras no rio,
não há lugar para os peixes,
não há lugar,
não há lugar
para a vida.


Rodrigo Rafael Giovanella, (Kico).

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

(Mario Holetz)



É tempo de celebrar! Feliz Primavera!


Elaine Tavares


Os povos pagãos, nas suas culturas, sempre me pareceram mais sábios. Eles tinham como costume celebrar a vida nos equinócios e solstícios, rendendo homenagens às estações. E isso não era coisa à toa. É porque cada estação traz com ela suas bênçãos. No girar desta bola azul, as comunidades vão experimentando a beleza do outono, a introspecção do inverno, a volúpia do verão e a alegria da primavera. É ainda nesse lento rodopiar que a terra e as gentes vão encontrando seu momento de plantar, colher, descansar e dançar.


Pois hoje, nesta nossa parte do mundo, é o equinócio da primavera. No ritmo das estações, tudo começa a vicejar. A voz dos passarinhos fica mais forte, as flores embestam a aparecer e, a despeito de todas as dores e lutas, também as pessoas parecem florescer em festa.



Aqui estamos nós no imenso jardim vendo cada coisa que plantamos no inverno, apontar pela terra afora. Então é hora de dançar a dança dos deuses, fazer “pago à Pacha Mama”, reverenciar Inti (o sol), saudar Ñanderu, o grande pai Guarani, que com Jacy e Kuaray tornam esse mundo tão belo. É tempo de dizer o nome da beleza para que ela nos tome inteira como crêem os Navajos.



Um dia, bem longe, os povos do leste invadiram nossa Tekoá (terra-casa) e soterraram a cultura autóctone, trazendo novo deus e desconhecidos santos. Mas, sempre é tempo de recuperar nossa condição primeira, de povo de Abya Yala, e retomar velhos rituais. A caminhada dos tempos já tratou de mostrar que na profusão de deuses e deusas que co-existem nas mais variadas culturas, o que fica como certeza final é de que esta terra é sagrada e cabe a nós cuidar para que ela siga firme, com saúde e um lugar bom de viver. A Eko Porã do povo Guarani(terra boa e bonita para todos) .



Esse tempo ainda não vingou, proliferam as guerras, as gentes precisam migrar de um lado para outro buscando sobreviver em meio à destruição do capital. Mas, em cada ser que vive, brilha a indefectível esperança. Dia virá em que todos poderão dançar para Inti, Pacha Mama, Viracocha, Quetzalcoalt, Istsá Natlehi, Wakan Tanka, Krisna, Jesus, braços dados, irmãos. E a terra será bela, e o banquete repartido. Paraíso. Socialismo. Eko Porã.



Enquanto isso, celebremos, pois. Os passarinhos nos chamam, as flores perfumam a vida e nós temos a obrigação de render graças. Porque nada no mundo pode ser melhor que caminhar na direção da beleza, da vida plena, da alegria, da Eko Porã. Em meio à tormenta, cantamos, dançamos e plantamos jardins porque confiamos, como Jeremias, diante da sua terra arrasada, que ainda vingarão flores neste lugar...



Feliz primavera! Viva Abya Yala..

sexta-feira, 21 de setembro de 2007





REFLEXIVAS VI

Hoje não sei quem sou
Amanhã também não saberei
Preciso retornar
Observar mais de detalhe
Perceber na passagem das retas
Rapidamente desenhadas e alteradas
Quando se tornaram tortuosas
As memórias do ontem
Que hoje me parecem
Nunca terem existido
Hoje não sei o que quero
Sei que não é o que passou
Ontem fui um fato ou palavras
Hoje sou referencia absoluta
Tornei-me valor de troca
Transformando a noção de vida
Em ordem de palavras certas
Ditas em momentos errados
Amanha também não saberei
Sentir os pequenos detalhes
Definidos em suas semelhanças
Absolutamente essenciais e sombrias
Quando os segredos escapam
Do seu reino secreto e soberano
No silencio do esquecimento
Hoje não sei quem sou
Porque nada restou para amanha
Que mereça ser lembrado

Isabel Mir
Setembro/2007





Águas Amargas

Mergulhe no Rio Itajaí
Para encontrar a água amarga
Onde o rio descarrega sua vida
Descendo corredeiras tortuosas
Saltando pedras e arbustos baixos
Deixando seu hálito fético
Agarrado nos espinhos das margens
E só atravessar a ponte
Grande, sólida, de cinza sujo,
Com metais que o observam e desejam
Assim a cidade o circunda
Com suas casas e gentes
Se apossando a direita e esquerda
De onde também se vê a torre da Igreja
Do leito sujo e rugoso
Onde o rio chora esquecido
Derramando água amarga

Isabel Mir
Setembro/2007

DEONÍSIO DA SILVA : CATARINENSE MAIS ILUSTRE, IMPOSSÍVEL!



Você já ouviu falar de Deonísio da Silva? Você já ouviu a expressão "A retirada de Laguna?" O que será que uma coisa tem com a outra? Vamos começar pela segunda: a "A retirada de Laguna" é um livro escrito pelo Visconde de Taunay no século XIX, sobre um episódio da Guerra do Paraguay. Eu li esse livro na adolescência, mas lembro dele pouco mais que a terrível sede que sentiam os soldados brasileiros assolados pelo cólera-morbo, sede essa que só podia ser saciada por umas poucas laranjas existentes. Segundo o Visconde de Taunay, nossas gloriosas tropas retiraram-se de Laguna (uma lá do Paraguay) vitoriosamente.

Mas você já ouviu falar de Deonísio da Silva? Não? Bem feito! É um dos mais ilustres catarinenses que já produzimos, e Santa Catarina nem se lembra que ele existe. E você já ouviu falar no "Prêmio Casa de las Américas"? É, sem dúvida, o maior prêmio concedido nas Américas a um escritor. Tem uma versão em espanhol e uma em português, e jurados de verdade, como Saramago, por exemplo: é prêmio sério, nada tendo a ver com certos prêmios de cartas marcadas que costumamos ver por aí.

O que tem uma coisa a ver com a outra, no entanto? Tem que o Deonísio da Silva é um catarinense, nascido quase nas bocas das minas de Siderópolis e criado quase nas roças de Jacinto Machado, alfabetizado por D. Edite Zanatta e sabendo muito bem o que é poluição de mina de carvão, exclusividade nossa de Santa Catarina. Por sorte, eu tive o prazer de tê-lo conhecido quando ainda tinha 60 cm de cintura, na época em que amávamos aos Beatles e aos Rolling Stones. Como meu espaço aqui é pequeno, vamos logo saber mais coisas: Deonísio começou pelo Seminário de São Ludgero e terminou como Doutor em Letras pela USP - quer dizer, terminou não, porque não há término para alguém como ele. Eu estou toda boba, aqui porque vai sair meu 14º livro, e Deonísio já publicou 30; se fui traduzida para uma linguazinha ou outra, Deonísio já o foi para as mais importantes; se um livro meu quase virou novela das seis da Globo, Deonísio têm às pencas peças de teatro, adaptações para cinema e televisão, e tudo o mais que vocês imaginarem. Onde ele publica toda a semana? Nos mais diversos lugares, que vai desde o Jornal do Brasil até a Revista Caras, aquela que a gente lê quando vai no médico. Podem olhar que até lá o Deonísio está! (Vai ter muita catarinense "chique" adorando tal informação!)

Bem, e o Deonísio papou, bem na frente de todo o Brasil, o "Prêmio Casa de las Américas", em 1992. Pena que ele não transformou o valor do prêmio em dólares, naqueles tempos de inflação, para a gente saber hoje quanto foi que ganhou; mas foi o equivalente ao salário de 36 meses de um médico. O livro? "Avante, soldados, para trás!", vai contar, sob nova ótica, a Retirada de Laguna, aquela do Visconde de Taunay, só que desta vez de uma forma real, não heróica, e quando estive no Paraguay, agora em Janeiro, deitada dentro de uma trincheira de Lomas Valentina, lugar onde houve uma batalha com 100.000 mortos (quase todos brasileiros), como me era forte na lembrança o livro do Deonísio! "Avante, soldados, para trás" saiu em espanhol com o título de "Adelande, soldados, atrasa!", e de cara vendeu 20.000 exemplares. E não podemos esquecer que o júri de tal prêmio, naquele ano, foi presidido nada mais nada menos que por José Saramago. No Brasil, o romance já vendeu sete edições sucessivas e também passou dos 20 000 exemplares. Em Santa Catarina, não sei. Porque quase ninguém em Santa Catarina nem sabe que têm um conterrâneo assim ilustre. Deonísio vem, anda por aí, bebe nos bares, escreve correndo suas colunas para os jornais dos grandes centros num notebook, em qualquer mesa de restaurante, e ninguém dá bola. Estamos todos muito preocupados com os nossos umbigos. Quando é que pode nos passar pela cabeça que um cara que foi "Prêmio Casa de las Américas" , personalidade mundial, pode estar a respirar o mesmo ar que a gente? E olhem que ele é bonitão, mulheres, charmoso! Fiquem de olho! E Santa Catarina não se anima a dar a ele nem o título de Filho Pródigo, o que, com certeza, ele não é.


Blumenau, 09 de Fevereiro de 2004.

Urda Alice Klueger
O caminho para Samarra
Leonardo Boff

Um soldado da antiga Bassora, na Mesopotânia, cheio de medo, foi ao rei e lhe disse:"Meu Senhor, salva-me, ajuda-me a fugir daqui; estava na praça do mercado e encontrei a Morte vestida toda de preto que me mirou com um olhar mortal; empresta-me seu cavalo real para que possa correr depressa para Samarra que fica longe daqui; temo por minha vida se ficar na cidade". O rei fez-lhe a vontade. Mais tarde o rei encontrou a Morte na rua e lhe disse:" O meu soldado estava apavorado; contou-me que te encontrou e que tu o olhavas de forma estranhíssima". "Oh não", respondeu a Morte, "o meu olhar era apenas de estupefação, pois me perguntava como esse homem iria chegar a Samarra que fica tão longe daqui, porque o esperava esta noite lá".
Essa estória é uma parábola da aceleração do crescimento feito à custa da devastação da natureza e da exclusão das grandes maiorias. Ele nos está levando para Samarra. Em outras palavras: temos poquíssimo tempo à disposição para entender o caos no sistema-Terra e tomar as medidas necessárias antes que ela desencadeie consequências irreversíveis. Já sabemos que não podemos mais evitar o aquecimento global, apenas impedir que seja catastrófico. A nivel dos governos, não se está fazendo nada de realmente significativo que responda à gravidade do desafio. Muitos crêem na capacidade mágica da tecno-ciência: no momento decisivo ela seria capaz de sustar os efeitos destrutivos. Mas a coisa não é bem assim. Há danos que uma vez ocorridos produzem um efeito-avalanche.
A natureza no campo físico-químico e mesmo as doenças humanas nos servem de exemplo. Uma vez desencadeada, não se pode mais bloquear uma esplosão nuclear. Rompidos os diques de Nova Orleães nos USA, não é mais possível frear a invasão do mar. Na maioria das doenças humanas ocorre a mesma lógica. O abuso de alcool e de fumo, o excesso na alimentação e a vida sedentária começam a princípio prudizindo efeitos sem maior signficação. Mas o organismo lentamente vai acumulando modificações, primeiramente funcionais, depois orgânicas e, por fim, atingindo certo patamar, surge uma doença não mais reversível.
É o que está ocorrendo com a Terra. A "colonia" humana em relação ao organismo-Terra está se comportando como um grupo de células que, num dado momento, começa a se replicar caoticamente, a invadir os tecidos circundantes, a produzir substâncias tóxicas que acaba por envenenar todo o organismo. Nós fizemos isso, ocupando 83% do planeta.O sistema econômico e produtivo se desenvolveu já há três séculos sem tomar em conta sua compatibilidade com o sistema ecológico. Hoje nos damos conta de que ecologia e modo industrialista de produção que implica o saque desertificante da natureza são contraditórios. Ou mudamos ou chegaremos à a Samarra, onde nos espera algo sinistro.
A Terra como um todo é a fronteira. Ela coloca em crise os atuais modos de produção que sacrificam o capital natural e as formações sociais construidas sobre o consumismo, o desperdício, o mau trato dos rejeitos e a exclusão social.

Três problemas básicos nos afligem: a alimentação que inclui a água potável, as fontes de energia e a superpopulação. Para cada um destes problemas não temos soluções globais à vista. E o tempo do relógio corrre contra nós. Agora é o momento de crise coletiva que nos obriga a pensar, a madurar e a tomar decisões de vida ou de morte.
A bacia de Pilatos

Leonardo Boff*

A nação está peplexa e indignada. Na cara da maioria dos políticos e particularmente dos jornalistas que acompanharam o caso do Senador Renan Calheiros e sabiam as manobras escusas que usava a partir de seu cargo de presidente da Casa, para se manter no poder, se estampava decepção e abatimento. E com razão, pois, o Senado se transformou num sinédrio, cheios de herodianos, aliados do poder dominante. Esses votaram a favor e 6 se abstiveram. Exatamente o número que Renan precisava para escapar-se da punição. Abster-se é dizer não à cassação. Supõe-se que muitos destes votos, secretos, vieram do PT e aliados. O Senador Mercadante revelou seu voto de abstenção. A lider do PT no Senado, Ildeli Salvati, cabalava votos em favor de Renan e deve ter se abstido, facilitando a vitória do acusado.

A propósito de falta de decoro por permitir que um lobista pagasse suas contas pessoais referentes ao filho que tivera com sua amante – isso se chavama antigamente de adultério público - descobriram-se muitas outras irregularidades graves, atestadas pela polícia federal e pelo jornalismo investigativo da televisão. Esta foi ao local em Alagoas, documentou em som e em cores as mentiras e falsas alegações de Calheiros o que comprovava ainda mais sua falta de decoro. Além do mais mentiu aos Senadores e sonegou informações e documentos ao conselho de ética.

Aliados do absolvido falaram em vitória da democracia. Que democracia? Esta convencional no Brasil, encurtada e farsesca, montada em cima de conchavos, do uso do poder público em benefício própro, infectada de tráfico de influência e de desvio de dinheiros públicos?

O que envergonha os cidadãos é verem Senadores, alguns velhos provectos, sem qualquer dignidade, verdadeiros mafiosos do poder, voltarem as costas à sociedade e fazerem-se cegos e surdos ao clamor das ruas. Estão tão enjaulados em seus privilégios na rodoma do Senado que nem lhes importa o que a midia e a opinião pública pensam deles.

Mas o que envergonha mesmo é a recaida de membros do PT. São pecadores públicos contumazes. Já haviam antes enviado a ética nem sequer para o limbo mas diretamente para o inferno. Agora repetiram o ato pecaminoso. Por isso são desprezíveis como Pilatos. Este se acovardou diante do povo e condenou Jesus. Mas antes fez um gesto que passou à história como símbolo de pusilanimidade, de covardia e de falta de caráter. Diante do povo, lavou as mãos com água. Essa bacia de Pilatos foi ressuscitada no Senado. Mas a água não é água. São lágrimas dos indignados, dos cansados de ver injustiças e dos dilacerados diante da contínua impunidade.

A " onorebile famiglia Calheiros" tem novos membros em sua máfia. Todos os que se abstiveram, podem acrescentar a seus nomes o sobrenome de Calheiros. Como revelou publicamente seu voto, o Senador Aloisio Mercadante merece agora ser chamado de Aloisio Mercadante Calheiros. Pelo esforço da argumentação em favor da não cassação de Renan, a Senadora Ildeli Salvatti merece que lhe apodemos de Ideli Salvatti Calheiros. Ela fez a figura inversa da mulher do covarde Pilatos que o advertiu: "não te comprometas com este justo pois sofri muito hoje em sonhos por causa dele". Ela e outros devem estar sofrendo muito, sim, roidos pela má consciência. Esse sofrimento transparece em seus olhos revirados e em seus rostos desfigurados.
O povo não merece ser representado por espíritos menores, faltos de ética, desavergonhados e esquecidos de que são meros delegados do poder popular. Que mostrem a cara, que falem ao povo, que se expliquem por quê, diante de tantas provas dos relatórios da comissão de ética e do clamor das ruas, puderam agir de forma tão traiçoeira.
*teólogo e professor emérito de ética da UERJ
O CÉU DE ÉRICO VERÍSSIMO



(Para Jorge Gustavo Barbosa de Oliveira)


O céu de Érico Veríssimo é um céu de passarinhos! É um céu azul tão azul como só o céu dos trópicos pode ser, embora quando a gente chegue lá, debaixo do pedaço de céu que é o céu de Érico Veríssimo, o Trópico de Capricórnio já esteja muito longe, muito mais que mil quilômetros ao Norte, e aquele lugar seja tão alto que parece que, se a gente subir bem no alto da coxilha mais alta e se esticar bem, na ponta dos pés, talvez se possa tocar com a mão aquele azul que só existe em céus dos trópicos.

A maior parte da gente do mundo pensa uma coisa errada: que as regiões tropicais são quentes. Há regiões tropicais quentes, sim, mas há áreas de regiões tropicais onde o frio grassa como grassa lá sob o céu de Érico Veríssimo, e há tanto frio e geada que os homens usam roupas que penso que talvez sejam únicas no mundo, grossos novelos de lã em forma de poncho com barras de franjas, e folgadas calças enfiadas em botas de cano alto e protetores chapéus que devem, uma vez ou outra, acho, protegê-los até de neves

E o céu de Érico Veríssimo é um céu de passarinhos! Tanto frio, e as árvores por cima da gente são verdes como se não houvesse inverno, e têm folhas, e têm bagas, e tem musgos, e devem ter ninhos – pois se o céu é um céu de passarinhos, como é que não vai haver ninhos? Há ninhos, lá, como não os há em nenhum lugar, ninhos brancos e azuis, ninhos de frisos, e de beirados, e de varandas, e de cercas, e de janelas azuis, ninhos azuis e brancos de gatos nas varandas de ladrilho vermelho, pois céu como aquele não há outro, nem ninhos assim também não os há por aí, porque os passarinhos do céu de Érico Veríssimo são passarinhos encantados, e gostam tanto daquele céu e daqueles ninhos que ficam gostando de azul com branco para o resto da vida, e nem poderia ser de outro jeito!

Lá, quando vem a noite, ela não fica escura como nos outros lugares: a noite do céu de Érico Veríssimo também é encantada como quase tudo naquele lugar, e a noite daquele céu é revestida de estrelas enormes, muito próximas, tão próximas que é possível ver-se o passeio dos satélites e dos asteróides por dentre elas, e então os passarinhos daquele céu ficam tão fascinados por terem um céu assim para viver, e ninhos assim também, que se deitam na grama, braços cruzados atrás da nuca, peito aberto para poderem ver com o coração, e espiam as estrelas, e os satélites, e os asteróides, e sabem que de noite é de veludo negro aquele lugar de pendurar estrelas, aquele que de dia fica daquele inexplicável azul que é o azul do céu de Érico Veríssimo, tão azul que talvez só lá mesmo seja assim!

Ah! Como um céu assim só pode ser um céu de passarinhos! Foi sob aquele céu que Érico Veríssimo nasceu e viveu um bom tempo, e ali também nasceram passarinhos tão únicos no universo quanto ele o foi - mas também, sob um céu como aquele, só poderiam nascer, mesmo, passarinhos únicos!

Eu posso dizer que sou uma pessoa que tem tido muitos privilégios na vida: um dia, escondidinha na penumbra de um Vale, bem quando começava a espiar a vida, uma estrela pulou de dentro de um livro e me iluminou com tamanha calidez e brilho que aquela luz ficou para toda a vida, e aquela estrela me fora mandada por Érico Veríssimo – meia vida depois fui, pessoalmente, lá ver aquele céu! Era o céu de Érico Veríssimo e era um céu de passarinhos! Senti tudo tão de perto, com tamanha força – uns e outros me disseram que Érico Veríssimo partiu para sempre, mas também para sempre aquele lá será o céu dele, e sempre será lá um céu de passarinhos e de ninhos brancos e azuis como em nenhum outro céu não há – e há passarinho daquele céu que pulou para dentro do meu peito, como aquela estrela um dia, e não importa o que faça, nem aonde vá, que sempre estará aqui dentro de mim o céu de Érico Veríssimo, que é um céu de Passarinho!

Blumenau, 04 de setembro de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora

terça-feira, 4 de setembro de 2007



(Nestor Jr.)


Acima De Tudo



Mesmo que meu orgulho não me deixe assumir meus erros
ou que minha vaidade seja superior ao meu amor.
Um único sorriso teu
Faz meu orgulho desmoronar
eu assumo todos os meus erros sem querer saber das conseqüências.
Uma única palavra que sair de tua boca
rasga minha vaidade ao meio partindo assim meu ódio
nesse momento minha alma se engrandece
eu dou um beijo em teu rosto
isso é o bastante para que eu seja perdoado.
Uma única lagrima tua faz meu corpo estremecer
mas a tua alegria me anima novamente.
Minha vida nem mais me pertence já que vivo em função do nunca e do nada,
só me alimento de sonhos. Mais jamais direi adeus a ti
pois nossas almas se entrelaçam formando uma só e assim será até a eternidade.


Rafael Silvio Mafra


(Nestor Jr.)



Em Busca Da Paz

Estou sozinho na escuridão,
Meus pés estão acorrentados,
Minhas mãos estão amarradas e a dor ta me consumindo;
Eu estou resistindo mas isso vai além das minhas forças
Eu fiz o meu máximo.
Nesse momento uma lagrima caiu dos meus olhos
Uma lança em chamas atravessou meu peito.
Eu corri para os braços da morte e beijei seus lábios.
Eu passei por cima do abismo.
Meus gritos de dor ainda ecoam nas mentes solitárias
Assim será até que eu descanse em paz.


Rafael Silvio Mafra



PROFANOS



O livro
Da estante
Foi retirado
Aberto
Foi folheado
Palavras
Assustadas
Corriam
Pelas páginas
Escondendo
Segredos
Nos versos
De amores
Profanos


Isabel Mir/2006
(Mario Holetz)



Vanusa e os recomeços


Sempre gostei de Vanusa, a cantora. Trata-se de uma voz que se perdeu por aí, seja por escolhas pessoais, seja por escolha deste ser invencível e invisível que se chama mercado. É provável que quem tenha menos de 30 anos nunca a ouviu cantar. Pode até saber que se trata daquela mulher ultraloura que vez em quando aparece na televisão. Vanusa, igual a muitos artistas populares nos anos 70/80, virou uma personagem de si mesma. Alguém que envelheceu, mas ficou presa no imaginário de um tempo já remoto, em que os artistas populares, sobretudo os cantores, ainda tinham algo a dizer. Hoje, como se sabe, a maioria virou monossilábico. Qualquer verso com mais de três palavras é complexo demais para nossos popstars.


Vanusa fez muito sucesso com aquela que talvez seja a mais feminista das canções produzidas no Brasil: “Mudanças”. Começava com uma voz triste, mas firme em suas decisões: “Hoje eu vou mudar, vasculhar minhas gavetas, jogar fora sentimentos e ressentimentos tolos”. No final da canção, quase como um refrão, Vanusa declama um texto da forma mais intensa possível: “(...) Suave como a gaivota e ferina como a leoa, tranqüila e pacificadora, mas ao mesmo tempo irreverente e revolucionária, feliz e infeliz, realista e sonhadora, submissa por condição mas independente por opinião, porque sou mulher com todas as incoerências que fazem de nós o forte sexo fraco”.


Ainda gosto muito desta canção. Compreendo racionalmente seus clichês, seu discurso pretensamente libertador da condição feminina, o jogo quase artificial das palavras, mas deixo tudo isso de lado, pois a canção me emociona desde muito jovem.Daqui a dois dias, começam as “Manhãs de Setembro”. Título de outra canção emblemática de Vanusa. Desta vez um pouco menos contundente que “Mudanças”. Novamente a letra fica naquele limiar entre o popular e a auto-ajuda: “Fui eu que em primavera só não viu as flores e o sol nas manhãs de setembro. Eu quero sair. Eu quero falar. Eu quero ensinar o vizinho a cantar nas manhãs de setembro”.


Ainda não sei como serão as manhãs de setembro. É provável que muito parecidas com as de agosto. Um pouco mais quentes e azuis, espero. É provável que eu passe setembro todo sem ouvir canções que me façam bem, canções que me tragam um certo alento, um certo conforto, para além da rotina-agulha que me fura o corpo.Tudo indica que a máquina do mundo continuará seus trançados de ferro sobre minha vida. Talvez o que me resta, enquanto resisto mais um pouco, é continuar resgatando cantores e cantoras esquecidos. Apoiando-me em suas frágeis palavras. Setembro chega logo. Dois dias. O futuro, apesar de previsível, pode trazer surpresas. Até porque Vanusa também disse numa canção menos conhecida: “Nos meus gestos me confundi com tantas falhas e incertezas, mas afinal eu descobri meu futuro: meu caminho é ter sempre que me procurar!”

Setembro é mês bom para os recomeços.


Rubens da Cunha

Esta é a Festa de San Fermín na Espanha

Três loucos minutos de corrida entre o labirinto de vielas medievais, onde centenas de homens privados momentaneamente de qualquer bom senso, razão, civilidade, e até de humanidade, disputam com algumas dezenas de touros a gloria de chegarem vivos, ou sem ferimentos, até o centro da Plaza de Toros.

Nós mulheres espanholas adoramos o espetáculo, pois é uma maneira de selecionar, separar os imbecis, os incapazes, os humanos irracionais, dos poucos homens com H maiúsculo, e muito disputados atualmente, porque estes últimos certamente, serão bons companheiros, amantes, maridos, pais, filhos.

O que as mulheres espanholas fazem é a seleção cultural das espécies

Postado por Isabel Mir, artista plástica, espanhola, que escolheu um brasileiro para casar, e o Vale do Itajaí para morar.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Majestic

Alberto Lisboa Cohen

Dorme Poeta que a Cidade vela por ti.
Ela guarda os passos que andaste,
diz os versos escritos em tantas madrugadas
de janelas abertas para belezas e saudades,
e tua face, Poeta, está em todas as ruas.
Em cada menino Mário persiste o Mário menino
que, imaginariamente, correu pelas calçadas
deste definitivo teu Porto de chegada,
e os namorados sabem de cor os pássaros
que fizeste pousar em suas mãos
e, em seguida, voar para outros namorados.
Dorme Poeta que a Poesia vive por ti.
Como previste, Ela vale pela eternidade
do teu quartinho discreto, papéis manuscritos,
musas de mil sonhares e um maço de cigarros.
Dorme Poeta. Teus cata-ventos não param de girar.

Saudade de mim
Alberto Cohen


O pior é essa saudade de mim mesmo, do cara crédulo e romântico que eu era e que a desvida transformou numa estátua de sal.

O original ainda mora dentro do meu íntimo, mas este que está aqui fora, o carcereiro, o que espera imóvel a vida passar, não lhe concede uma fresta pela qual envie um olhar curioso, um assobio de chamar amigos, uma risada com sabor de outros tempos, mostrando que ainda está vivo. E ele está. Apenas perdeu a identidade em alguma ponte que caiu, casa que desabou, ou Copa do Mundo que o Brasil desperdiçou.

Já o chamei de todas as maneiras, fazendo a barba no espelho, lendo poemas que escreveu quando morava no antigamente, e mesmo acenando com a alegria que ele sentia com um copo de bebida e um cigarro. Nada. Apenas tosse e ressaca.

Acredito que não quer mesmo voltar, para não se tornar igual ao que seria, se não tivesse encurtado os passos e ficado cada vez mais para trás, até se eternizar como encantado, uma entidade sem tempo, medo e angústia, que permanece jovem e bom, como quando a bondade ainda podia ser e a juventude nem se percebia.

No fundo, acho que deve continuar no seu mundo de xícaras de porcelana, rádios de válvulas e roupas de linho. O que faria agora nesse desviver cotidiano de podia ter feito e não fiz?

Que ele guarde sua alma, seu corpo de atleta, seus olhos de descobertas, sua ânsia de descobrir e, principalmente, prossiga poeta. Para que emergir?
A canseira da elite


(Para Gegê e para Mário, o Cisne Negro)


Embora fraco e bem mal das pernas, anda por aí um movimento das elites que ora toma o nome de “Cansei”, e ora toma a data de 7 de setembro, às 17:00 horas, para que se faça um grande minuto de silêncio nacional (às vezes a sugestão é para que se faça um minuto de barulho) – enfim, bastante fraco e mal das pernas por diversos motivos, e o principal deles é que é um movimento composto de muito pouca gente, tendo em vista o reduzido número de pessoas que forma essa tal de elite, embora há que se convir que é um reduzido número de pessoas, mas que são pessoas dotadas de grande poder, principalmente o financeiro.

Essa gente a que chamo de elite não surgiu do nada assim da noite para o dia, não foi tirada da cartola de um mágico assim como se fosse um coelho, não. A maior parte dessa pouca gente vêm se perpetuando no poder (principalmente o econômico) lá desde os tempos da Capitanias Hereditárias, e foi dona da grande descoberta que foi o açúcar para todo o mundo (para quem não sabe, até que se achasse uma terra chamada Brasil e se passasse a nela produzir açúcar em grande escala, tal produto, antes, era privilégio apenas da nobreza e do clero europeus, e quase sempre se sentia o sabor da doçura lambendo mel de abelha – naqueles idos, muito pobre deve ter sido enforcado porque deu uma lambidinha onde não devia), e depois do ouro de Minas Gerais, e depois do café de São Paulo, e das indústrias, e não há que esquecer que o antepassado de muita gente enriqueceu no abjeto comércio feito pelos navios negreiros – e não quero ofender ninguém dizendo que alguém teve antepassados trapaceiros, mas quem é que tudo sabe sobre o passado?

O fato é que a chamada elite foi se formando e está aí, e domina o país desde os tempos das Capitanias Hereditárias, e cresceu e engordou um bocado conforme chegava mais e mais gente a este país, e a gente sabe que quase sempre, entre um magote de gente nova, vem junto algum vivaldino pronto a vender a mãe para pisar num degrauzinho mais acima na escala do poder – o fato é que a tal elite se formou e está aí, e além de se reproduzir biológicamente, também toma um cuidado danado para manter uma reprodução ideológica, e vive a formar um ou outro pensador bom e muitos pensadores de meia-tigela, que decoram a lição que devem recitar tão bem decoradinha que, muitas vezes, quando os ouço, fico com urticária. E a tal da elite costuma se vestir bem, estudar em bons colégios feitos para gente da sua prole continuar pensando na importância de se ter poder, ter um padrão de vida que seria de grande agrado de muita gente que nunca poderá nem sonhar em chegar lá, mas que tem a cabeça feita por certas novelas e outros programas de televisão, cujas emissoras também são da mesma elite, e que põem na cabeça da grande multidão que já foi chamada de “os descamisados” que se a multidão for bem dócil, e se mantiver bem boazinha, e trabalhar muito sem nunca reivindicar nada, mais tarde a tal multidão ficará igualzinha àquela gente rica e poderosa que existe nas novelas – enfim, a elite existe e está aí, não é segredo para ninguém.

Só que agora a elite está dizendo que cansou, que quer fazer manifestação de protesto no dia 7 de setembro! Estou aqui querendo entender do que é que essa miséria de gente lá do pico da pirâmide cansou – maracutaias ela faz e apoia desde os tempos das Capitanias Hereditárias – qual é a novidade que está acontecendo? Eu fico observando as coisas e vendo como tal gente anda pulando igual macaco quando quer levar chumbo, segundo antigo ditado de cá da minha terra – desde as desonestidades que acontecem nos mais altos círculos do poder – e, convenhamos – os ditos círculos são compostos majoritariamente pela tal elite, que lá está faz séculos! – até quedas de aviões, tudo a tal da elite atribui, neste momento, ao governo federal – preferencialmente ao Presidente da República. E olhem que o Presidente da República anda que é uma tetéia com essa cereja do bolo, todo cheio de agradinhos para com aquela gente poderosa que continua pulando como se quisesse levar chumbo - nem vou enumerar aqui um bocado de agrados que a dita elite vêm recebendo: para quem não é observador muito atento, sugiro que consulte primorosa relação de agrados que a minha amiga e jornalista Elaine Tavares[1] recém publicou, conforme nota mais abaixo.

Daí é que eu estou há tempos a observar essa gente poderosa pulando como se quisesse levar chumbo, e tentando entender o que se passa com ela, e não fica difícil a compreensão. Falei mais para cima na reprodução biológica dessa gente, dos nenenzinhos que nascem lá nos seus berços de ouro e que eles moldam do jeito que lhes fique melhor e mais os orgulhe – e esses nenenzinhos crescem nas maiores mordomias, nos ditos[2] melhores colégios, vão fazer seus doutorados em importantes universidades da Europa – e voltam, em grande parte das vezes, tão incompetentes quanto é possível. Pelo menos, não tem nenhum deles ocupando o cargo de Presidente da República, atualmente. Quem está ocupando o cargo de Presidente da República é um operário, com diploma de torneiro mecânico. E esse operário se elegeu, e se reelegeu, e o pessoal que não se conforma com tal coisa vive mandando fazer pesquisa de opinião, e o operário continua na crista da onda dentre aquele povo que era para ser totalmente subserviente – dá nos nervos, não dá?

Eu nem estou dizendo que o Presidente operário seja alguém de minha grande admiração – os agradinhos e agradões que ele anda fazendo para a elite me dão a maior coceira, quebraram o meu encanto faz tempo – mas o fato é que ele existe, e está lá, e a elite não se conforma com uma tristeza assim tão grande nas suas vidas. Como é que pode ter acontecido uma coisa assim? Cadê os incompetentes filhinhos-de-papai e os seus diplomas da Sorbonne, que deixaram um operário passar-lhes a perna?

Na minha avaliação, ser governada por um operário dá a maior canseira na elite, dá essa vontade toda de ficar pulando como macaco que quer levar chumbo. Penso: como reagirá essa gente no dia em que, ao invés de um operário, for eleito um negro para governar o país? Aí é que eu quero ver! Tem muita coisa, ainda, para acontecer nesta nossa Terra de Santa Cruz! Vale a pena viver para ver!



Blumenau, 30 de agosto de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora

[1] Elaine Tavares: professora do Curso de Jornalismo da UFSC, jornalista do Observatório Latino-Americano. No texto”A elite é insaciável”, consta a seguinte relação de agrados que a mesma vem recebendo do Presidente da República Brasileira: “Procuro, busco, vasculho e não consigo perceber os motivos que levam a tal da elite brasileira a ter se cansado de Lula. O cara não tem feito outra coisa a não ser governar para ela. Liberou os transgênicos, fomentou o endividamento dos trabalhadores via bancos, aqueceu o comércio, fez uma reforma na previdência para beneficiar os empresários dos fundos de pensão privada, perdoou as dívidas dos latifundiários, mantém em dia os pagamentos da dívida externa, está construindo novos aeroportos, enfim... uma lista interminável de concessões aos graúdos deste país. Além disso, tem apaziguado as lutas trabalhistas através da cooptação de lideranças sindicais e mantido em suspenso o MST.”
[2] Melhor colégio também é tema para se discutir. O que é um melhor colégio? .