sexta-feira, 30 de novembro de 2007






AS FLORES


Sempre fui apaixonado
Pelos jardins, pelas flores,
Amante das sete cores
Do arco-íris do amor.
Como é boa, durante a vida,
Ter uma flor com a gente,
Como se fosse semente
Plantada, de outra flor.


São as flores, sobre a terra,
Uma presença divina,
Seja grande ou pequenina,
Elas nos falam de Deus.
Na rosa ou numa violeta,
Há lembrança e há saudade,
Resume-se a humanidade,
Os sonhos, os teus e os meus.


Enfeitam aniversários
E muitas festas ruidosas,
Lírios, violetas e rosas
Adornam esquifes também.
Umas celebram a vida,
As outras choram a morte,
Está nelas nossa sorte,
Delas não foge ninguém.


Benditas sejam as flores
Que perfumam nossa vida,
São adeus na despedida,
Ao nascer, recepção.
Se a terra ficar sem flores,
Será apenas tristeza,
Pois, onde não há beleza,
É deserto e solidão.


Adair José de Aguiar
29.11.2007 - Dia de Solidariedade ao Povo Palestino
60 anos de Escravidão.

Sobre o Comitê pró-Palestina de Blumenau, conto que o mesmo é composto por um pequeno grupo de pessoas que se interessam pela causa palestina, e que o mesmo é conectado com outros comitês semelhantes, notadamente o de Florianópolis. Convidamos a outras pessoas que tenham interesse dele participar, que nos procure e nos dê seu endereço eletrônico, para que possamos manter contato. Entre outras coisas, o comitê tem um grupo de distribuição de notícias sobre a Palestina.
Estou aqui falando em nome do comitê e tento representar, nesta cidade, os milhões de palestinos que estão dispersos pelo mundo, e também aqueles que ainda resistem, quase no limite das suas forças, no que resta do seu país.
A história nos conta que o povo palestino habita as terras de onde tem sido expulso metodicamente desde a década de 1940 já há 6.000 anos – vamos encontra-los na Bíblia sob o nome de filisteus. Em algum momento próximo desse tempo, para a mesma terra, ainda sob a ótica bíblica, segue para a Palestina Abrão, pai de Isaac e de Ismael. Isaac vai ser “pai” do povo judeu enquanto que Ismael vai ser “pai” do povo palestino – portanto, ambos os povos têm a mesma e única origem – podemos chamá-los de primos.
Enquanto os palestinos permaneceram na sua terra por todos esses 6.000 anos, o povo judeu teve diversas “saídas”: para o Egito, para a Mesopotâmia, e há que lembrarmos a diáspora sofrida no começo da era cristã, durante o Império Romano. Por diversos motivos, os “primos” judeus saíram diversas vezes da mesma terra onde os palestinos sempre permaneceram.
No século XX, devido a perseguições variadas acontecidas na Europa, o povo judeu decide voltar a ter um lar na Palestina, e fazendo uma clara leitura de política internacional, vão ter com o Primeiro Ministro inglês Lorde Balfour, que é quem administrava nessa época as terras palestinas, tidas como protetorado da Inglaterra, e passam a ter apoio quanto à sua volta aquelas terras ancestrais. Depois do Holocausto da Segunda Guerra Mundial, a ONU acaba por votar uma decisão, em 1947, que permite a volta dos judeus para a Palestina, na condição de que a mesma seja dividida entre dois países, o Estado Palestino e o Estado de Israel. Sessenta anos depois, apenas o Estado de Israel está existindo, sendo que os territórios que em 1947 ficaram pertencendo à Palestina, só restam dois pequenos enclaves: a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, cada vez mais diminuídos e ocupados pelo Estado de Israel.
Nos seus pequenos enclaves, o povo palestino que lá ainda resiste, passa por um extermínio étnico, e vamos citar somente uns poucos pontos de como tal se dá:
- corte de água – as populações vivem com pouquíssima água, chegando aos limites da sede.
- cortes de eletricidade por períodos enormes e indeterminados, sendo que a nossa própria imprensa mostrou, faz pouco tempo, o bombardeio com que o Estado de Israel destruiu uma das principais usina de produção de eletricidade do povo palestino;
- pontos de controle do Estado de Israel impedem a livre circulação do povo palestino no seu território, o que significa, entre outras coisas, o impedimento de as crianças irem para a escola e os doentes e feridos chegarem aos hospitais, que às vezes estão a poucos minutos das suas casas. È bastante grande o número de vítimas que vêm a falecer por hemorragia ou outras faltas de atendimento, devido a tais pontos de controle, que impedem a livre passagem.
- Milhares de palestinos estão nas prisões israelenses, inclusive crianças, sem nenhum processo ou acusação – muitas crianças lá estão apenas porque atiraram uma pedra em possante tanque israelense que sequer se arranhou com aquela pequena agressão.
- Está quase em final de construção extenso muro (centenas de quilômetros) que está a separar do Estado Israelense de que resta de território palestino .
- destruição sistemática de casas, plantações e milenares oliveiras das quais vive o povo palestino.
- impedimento dos palestinos trabalharem, separando os palestinos das suas terras e impedindo-os de chegar aos empregos.
- Colônias formadas por fanáticos religiosos judeus instalam-se nas pouquíssimas boas terras que restam ao povo palestino, tornando ainda pior a sua vida.
- etc., etc., etc.

PODEMOS DIZER QUE UM GENOCÍDIO ÉTNICO ESTÁ ACONTECENDO NA PALESTINA, sob as vistas de todo o mundo, e com o apoio técnico e militar dos Estados Unidos, que financia o Estado de Israel com verbas a fundo perdido, já que os EUA muito precisam de um aliado fiel naquela parte do mundo, ponta de lança existente entre o mar de petróleo dos países circunvizinhos.
Em Blumenau, como em tantos outros lugares do mundo, temos hoje o dia de Solidariedade ao Povo Palestino – estamos aqui lembrando, para que tal não seja esquecido, e para que não continuemos indiferentes ao que se passa com essa gente que está sendo morta, expulsa, aprisionada e injustiçada na sua terra, e que, como todos nós, faz parte da única raça que existe: a raça humana.
Venho aqui conclamar para que haja solidariedade dentro de cada um de nós para com os nossos irmãos que tanto sofrem.


Blumenau, 29 de Novembro de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora e historiadora

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

29 de Novembro: Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino
...
A tempestade... levou minha casa.
A noite... minha visão.
A chuva... minhas nuvens.
O inverno... meu coração.
Sem casa...pátria...ou terra.
Sem coração...vida...ou horizonte.
Olhei o céu... e estrelas me guiavam.
O oásis estava perto.
...

Meus amigos,
Deixem um comentário no www.zekachaves.blog-se.com.br e concorra a um livro ou cd!

Abraço

Zeca Chaves
A Professora Beth, de Três Barras

A Professora Elizabeth Pacheco, da Escola de Educação Básica Colombo Machado Salles, em Três Barras, no Planalto Norte catarinense, anda uma arara comigo. Estivemos juntos no dia 1 o de novembro, lá mesmo em sua cidade, e tudo foi uma festa enorme, com muito carinho e simpatia vindos de todos os lados. A Beth e o Edson, professores de Português, com o apoio decidido e decisivo do Lula, diretor do colégio, trabalharam exaustivamente com seus alunos de ensino médio a leitura do livro de contos Relatos de Sonhos e de Lutas, relacionado para os vestibulares da UFSC e da UDESC (neste, a obra veio a ser objeto de cinco questões).

Três Barras é parte importante da História de Santa Catarina: por lá foram largadas, após o término da obra, duas mil das oito mil pessoas que a Brazil Railway contratou para a construção da estrada de ferro que ligou o Estado de São Paulo ao Rio Grande do Sul. Em seguida, instalou-se na povoação, em 1910, a Southern Brazil Lumber & Colonization Company , uma empresa estadunidense do mesmo dono da Brazil Railway . Em 1913, quando iniciou oficialmente suas atividades, a Lumber era, desgraçadamente, "a maior serraria da América Latina". Começou operando, isto é, devastando a floresta onde imperavam araucárias, imbuias e outras espécies nobres e centenárias, numa faixa de 15 quilômetros de cada lado de toda a ferrovia, área generosa que lhe foi doada pelo governo federal em troca da implantação da estrada de ferro. Para explorar "suas terras", a Lumber expulsou a ferro e fogo quem nelas vivia, dando origem à Guerra do Contestado, primeiro conflito no mundo em que o avião foi usado como arma de combate, para desgosto supremo de Alberto Santos=Dumont.

Nesse cenário histórico, a Professora Beth está uma onça comigo e me obriga a escrever na primeira pessoa do singular. A indignação é tão grande que ela faz questão de iniciar sua mensagem eletrônica de forma gelidamente protocolar: "Caro senhor: Eu, professora Elizabeth Pacheco (e passa então a qualificar-se como quem redige uma procuração ou inicia um processo judicial), lhe escrevo para retratar minha 'mágoa' com sua pessoa". Por minha exclusiva culpa, ela sofreu em penoso silêncio durante duas semanas inteiras, desde o dia 7, quando publiquei neste espaço uma crônica comentando as maravilhas do Projeto "Encontro Marcado com o Escritor Catarinense" e fazia referência ao fato de um livro de literatura chegar, por obra e graça do projeto, aos recantos mais recônditos do interior do município de Canoinhas, até o dia 21, quando ela se convenceu de que eu não iria mais registrar o empenho vitorioso dos professores da sua escola no incentivo dos estudantes à leitura de obras literárias.

Na verdade, durante sete dias úteis seguidos passei por cinco cidades do Planalto Norte e do Meio-Oeste. Em algumas, como é o caso de Três Barras, apenas uma escola participou do projeto; em outras - Caçador é um exemplo -, foram nove as escolas envolvidas. Ficou difícil falar individualmente, neste espaço tão exíguo, de tanta gente brilhante e dedicada.

Sua pergunta, no entanto, é candente e continua queimando-me os ouvidos: "O que fizemos não estava de acordo com os propósitos do escritor ou da entidade patrocinadora?"

Em absoluto, caríssima Beth, vocês todos se superaram pelo amor ao livro e à leitura, atitude que somente os iluminados podem ter. Eu é que te devo duas descobertas marcantes: graças às tuas pesquisas, pude ler na Internet dois artigos sobre o meu livro que me deixam ruborizado, assinados por pessoas que sequer conheço, Marco Antonio de Mello Castelli e Luiz Horácio . Por isto é que evitava falar na primeira pessoa do singular. Por ti, violei a regra.



(Amilcar Neves, escritor)
Saciar a sede de água e cidadania(Publicado no Jornal Estado de Minas, 15 de novembro de 2007)FREI BETTO "Por que nas edificações urbanas raramente se encontram equipamentos de captação da água da chuva, gratuita e potável?"
Como impedir que a população do semi-árido brasileiro prossiga vítima da seca? A melhor iniciativa é o Programa 1 Milhão de Cisternas, também conhecido por Programa de Mobilização e Formação para Convivência com o Semi-árido. Este mês, comemora-se o marco de 1 milhão de pessoas favorecidas pela construção de cisternas.
Quem o monitora, há quatro anos, é a Articulação no Semi-árido Brasileiro (ASA), ONG que conta com o apoio do governo federal, da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), da sociedade civil e de vários parceiros nacionais e internacionais.
O programa parte da concepção de que o povo do semi-árido é capaz de dirigir seu próprio destino e encontrar meios de resolver seus problemas, desde que a ele sejam garantidos meios e políticas de convivência com a seca, e não de combate a este fenômeno natural. Assim como em outros países não se combate a neve, mas se aprende a conviver com ela, o mesmo se aplica à seca.
Até agora, o programa mobilizou cerca de 228.538 famílias e construiu 221.362 cisternas de placas para captação de água de chuva - via calha do telhado da casa -, para consumo humano. Nada mais potável que a água da chuva - que, nas cidades, irresponsavelmente desperdiçada, entope bueiros, causa erosão de encostas, alagamentos e enchentes.
Hoje, mais de 1 milhão de pessoas têm garantindo o acesso a água de qualidade para beber e cozinhar, o que significa, em termos de segurança alimentar e nutricional, efetiva revolução em suas vidas. Quando se sobrevoa o semi-árido notam-se pontinhos brancos esparsos na zona rural. São as cisternas alocadas nas casas dos agricultores, muitas em lugar de difícil acesso.
Um dos efeitos mais tangíveis é favorecer mulheres e crianças que, todo dia, deixam de caminhar quilômetros para buscar água, muitas vezes poluída. Agora, podem dedicar o tempo à educação, à família, à produção, ao lazer. Como muitas mulheres afirmam, sentem-se mais mães, mais esposas, mais companheiras, mais gente.
As crianças, agora mais saudáveis, já não são acometidas por doenças transmissíveis por recursos hídricos, entre as quais a diarréia; idosos e portadores de deficiências são atendidos; famílias inteiras, que anteriormente nunca tinham acesso a noções e cursos de tratamento da água e convivência com o semi-árido, agora usam essas informações para melhorar sua qualidade de vida.
As cisternas são construídas com, e não para as pessoas; essas se envolvem profundamente na obra, o que garante o seu cuidado. Como todo o processo é feito em comunidades, vê-se ali a erradicação da exclusão social e a afirmação da cidadania. São mais de 1 mil municípios do semi-árido que, mobilizados, compõem um novo cenário.
As cisternas, perfuradas ao lado da casa e revestidas de placas de cimento, são equipamentos simples, de tecnologia barata e fácil manejo. Têm longa vida útil quando cercadas de cuidados mínimos, de acordo com o que se aprende nos cursos. Ao visitar a região, notei em algumas girinos vivos, sinal de que a água é própria para consumo humano. Inaugura-se, assim, uma política pública não-clientelista, efetivamente voltada aos mais pobres.
Falta, agora, o governo federal dar mais apoio à ASA, para que se possa atingir a meta de construir 1 milhão de cisternas e favorecer 5 milhões de pessoas com acesso à água potável.
E fica a pergunta que não quer calar: por que nas edificações urbanas raramente se encontram equipamentos de captação da água da chuva, gratuita e potável? O exemplo não deveria começar pelas obras do poder público?
História da sustentabilidade


Leonardo Boff
Teólogo

A categoria sustentabilidade é central para a cosmovisão ecológica e, possivelmente, constitui um dos fundamentos do novo paradigma civilizatório que procura harmonizar ser humano, desenvolvimento e Terra entendida como Gaia. Comumente a sustentabilidade vem acoplada ao desenvolvimento. Oficialmente o conceito desenvolvimento sustentável foi usado pela primeira vez na Assembléia Geral das Nações Unidas em 1979. Foi assumido pelos governos e pelos organismos multilaterais a partir de 1987 quando, depois de quase mil dias de reuniões de especialistas convocados pela ONU sob a coordenação da primeira ministra da Noruega Gro Brundland se publicou o documento Nosso Futuro Comum. É lá que aparece a definição tornada clássica:"sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades".

Na verdade, o conceito possui uma pré-história de quase três séculos. Ele surgiu da percepção da escassez. As potencias coloniais e industriais européias desflorestaram vastamente seus territórios para alimentar com lenha a incipiente produção industrial e a construção de seus navios com os quais transportavam suas mercadorias e submetiam militarmente grande parte dos povos da Terra. Então surgiu a questão: como administrar a escassez? Carl von Carlowitz respondeu em 1713 com um tratado que vinha com o título latino de Sylvicultura Oeconomica. Ai ele usou a expressão nachhaltendes wirtschaften que traduzido significa: administração sustentável. Os ingleses traduziram por sustainable yield que quer dizer produção sustentável.

De imediato surgiu a questão, válida até os dias de hoje: como produzir sustentavelmente? Apresentavam-se para o autor quatro estratégias. A primeira era política: cabe ao poder público e não às empresas e aos consumidores regular a produção e o consumo e assim garantir a sustentabilidade em função do bem comum. A segunda era a colonial: para resolver a carência de sustentabilidade nacional impunha-se buscar os recursos faltantes fora, conquistando e colonizando outros paises e povos. A terceira era a liberal: o mercado aberto e o livre comércio vão regular a demanda e o consumo, resultando então a sustentabilidade que será melhor assegurada se for apoiada por unidades de produção nos paises onde há abundância de recursos necessários para a produção. A quarta era técnica: para superar a escassez e garantir a sustentabilidade buscar-se-á a inovação tecnológica ou a substituição dos recurso escassos: em vez de madeira usar carvão e mais tarde, em vez de carvão, o petróleo.

Hoje com a distância temporal podemos dizer: se houvesse triunfado a estratégia política em razão do bem comum, a história econômica e social do Ocidente e do mundo teria seguido o caminho da sustentabilidade. Haveria seguramente mais eqüidade (os custos e os benefícios seriam mais igualmente distribuidos), viver-se-ia melhor com menos e havera mais preservação dos ecossistemas.

Mas não foi este o caminho escolhido. Foi o do colonialismo, do imperialismo, do globalismo ecômico-financeiro e da economia política de mercado que gerou a grande transformação (Polanyi) com a mercantilização de todas as coisas e o submetimento da política e da ética à economia. A crise ecológica atual deriva deste percurso que, mantido, poderá ameaçar o futuro da vida humana. Agora é tempo de revisões e de buscas de alternativas paradigmáticas.
A INCONSTITUCIONALIDADE DOS PEDÁGIOS

Por Luiz Carlos Amorim (escritor e editor – lc.amorim@ig.com.br )

Viajo para a serra gaúcha há uns dez anos e na volta da última visita à Nova
Petrópolis, fiquei mais indignado do que das outras vezes, porque além de pagar
os quatro pedágios da BR 116, quando cheguei aqui em Santa Catarina, o pedágio
em nosso Estado estava confirmado para iniciar no segundo semestre de 2008.
Sempre achei que o valor cobrado pelas praças de pedágio em qualquer estado
eram
absurdos – no trecho do Rio Grande do Sul até Feliz paguei cinco reais e trinta
centavos por cada um, recentemente – com bem menos poder-se-ia manter uma
estrada em bom estado. Mas o que me deixa ainda mais indignado, é que em
Vacaria, num intervalo de apenas vinte quilômetros, paga-se dois pedágios. Isso
mesmo: num trajeto tão curto, dois pedágios! E parece que ninguém faz nada,
parece que está tudo bem para todos. Isso tudo sem contar que há dez anos, o
pedágio já era cobrado, mas a estrada estava num estado deplorável e não se via
ninguém fazendo qualquer serviço em nenhum trecho dela. Hoje ela está um pouco
melhor, remendos têm sido feitos e vi, em pelo menos um ponto de todo o trecho
de mais ou menos duzentos quilômetros, um grupo de duas ou três pessoas fazendo
uma calha para a água da chuva. E convenhamos que, pelo valor de pedágio, pela
carga de dinheiro que entra todos os dias naqueles pedágios, a estrada deveria
ter sido toda refeita, deveria estar nova.
Vendo tudo isso, o pedágio que está para ser implantado aqui em Santa Catarina
me assusta. São quatro praças de cobrança na BR 101, no trecho duplicado de
Florianópolis até a divisa com o Paraná – claro, vão esperar o trecho sul
ficar pronto para lotear e entregar novinho para alguma concessionária - e mais
três na BR 116. Aliás, passei hoje pela 101 até Joinville e vi obras em vários
trechos, o que me lembrou que sacramentaram o pedágio naquele trajeto, razão
porque estão gastando o dinheiro dos nossos impostos para deixar a estrada nova
e entregar para uma concessionária cobrar taxa da gente e ganhar grana fácil.
Os
preços começam pequenos: R$ 1,02 na 101 e R$ 2,54 na 116. Isso no início. Como
ficará depois, é que é o perigo. Quanto subirá? Em quanto tempo? Quantas
vezes?
E eis que, em meio a esse torvelinho, leio a tese de uma formanda de Direito,
no
Jornal Agora, intitulada “A Inconstitucionalidade dos Pedágios”, abordando o
“direito fundamental de ir e vir’ nas estadas do Brasil. No trabalho, ela cita
os “Direitos e Garantias Fundamentais”, da Constituição Federal de 1988, mais
especificamente o inciso XV do artigo 5: “é livre a locomoção no território
nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele
entrar, permanecer ou dele sair com seus bens". A jovem acrescenta que "o
direito de ir e vir é cláusula pétrea na Constituição Federal, o que significa
dizer que não é possível violar esse direito. E ainda que todo o brasileiro
tem livre acesso em todo o território nacional. O que também quer dizer que
o pedágio vai contra a constituição".
Uma luz no fim do túnel? Segundo a tese, ainda, as estradas não são vendáveis.
No valor da gasolina já é incluído o imposto de Contribuição de Intervenção de
Domínio Econômico (Cide) e parte dele é destinado às estradas. Isso sem contar
IPVA, que deveria ser para isso.
É preciso discutir essa inconstitucionalidade. A estudante, a propósito, passa
nos pedágios sem pagar. E ninguém a prendeu ou pode prendê-la por isso.
CAMINHOS DE PORTO ALEGRE


54ª Feira do Livro de Porto Alegre, entre gostos e alguns desgostos. Mil tentações para comprar dentro dos dias de calor, nas barracas sombreadas por árvores florescidas de milhões de florinhas azuis, mas sempre a lembrança da pilha de mais de cem livros esperando leitura, e limitei-me a alguns presentes de Natal para as minhas crianças.
Não tive como deixar de comprar, no entanto, um caminho. Havia diversos deles, diferentes perspectivas daquele mesmo caminho que era o caminho do pintor João Piosan, gaúcho, e eu estava triste, era o último dia de estar aqui e eu estava triste. De repente, diversos ângulos do caminho daqueles quadros como que me abriam uma perspectiva, faziam com que eu pensasse num caminho possível, lá adiante, no longínquo horizonte do fim do túnel do tempo, e mesmo com o dinheiro já curto, não resisti em comprar um quadro daqueles.
Olho-o agora, no meu colo, na rodoviária, esperando para ir embora. O caminho que eu comprei é ladeado por duas casinhas brancas, com jeito de lusas, meros detalhes para um caminho ladeado de exuberante verde e que tem, diante de uma das casinhas, a sombra de IMENSA árvore florida de rosa e branco, mas tudo, as casas, as plantas, a florida árvore, tudo é detalhe: o dono do quadro é ele,o caminho, que passa diante das casas, e debaixo da sombra das flores, e decididamente se vai adiante, em direção de um futuro que talvez seja o meu – senão, por que aquele caminho teria me hipnotizado assim, me atraído como se fosse um ímã, a ponto de eu não sossegar enquanto não comprei um daqueles quadros?
Tento, então, imaginar para onde ele vai. Decerto ele vai para onde eu gostaria que ele fosse, isto é, para um tempo onde toda a gente do mundo possa ter saúde, alimento e acesso à educação, e onde cada ser humano tenha direito a uma casinha branca com árvore de flor na frente, e tal coisa é fundamental para a minha felicidade, pois dói tanto em mim a dor do mundo!
Aquele caminho, porém, vai mais adiante ainda, e dá diversas voltas que eu posso ver, e quantas dará que eu não vejo?
Penso que nesse especial caminho que eu não vejo está o meu futuro, e lá adiante, muito adiante do quadro, bem distante das demais, haverá uma casinha branca e simples, com duas janelas simples do lado, mas com tamanho suficiente para abrigar uma felicidade IMENSA, porque lá no meu futuro, quando as minhas mãos já estarão cheias de dores, naquele tempo que eu chamo de Tempo da Artrite, precisará haver uma casinha branca, ou alguma outra, não importa qual, mas precisará um lugar para viver a felicidade incomensurável de poder cuidar do meu Passarinho! O que eu não faria para poder viver tal felicidade?
E então estou aqui a olhar o caminho e a imaginar cada momento, cada detalhe de um tempo que um dia virá, e de como, mãos encarquilhadas pela artrite, sentaremos juntos, apoiados um no outro, sob uma árvore como aquela do quadro, nas tardes de setembro, e a brisa leve do sul do mundo virá e fará com que algumas flores caiam sobre nós e sobre a felicidade vislumbrada, e então lembrarei dessa Feira do Livro de Porto Alegre que já terá ficado para trás no tempo, e de como achei este quadrinho nela, o todo o longo caminho que o quadro mostra me acendeu em alegria, pois lá longe, lá bem longe, haverá uma casinha branca e uma chuva de flores caindo dentre a brisa da tarde, e então será o tempo de só ser feliz!

Porto Alegre, 08 de Novembro de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora
Uma guerra, que maravilha!

Uma guerra opera milagres econômicos inimagináveis: as empresas produzem e vendem a rodo não só armamentos, de balas de metralhadora a prodígios de extermínio em massa, como bombas, aviões, submarinos e centrais de comando & logística, mas também roupas, comidas e drogas alienantes, expedientes de suporte a soldados que, cada vez mais (graças aos avanços avassaladores da tecnologia em tempos de guerra), matam mais e melhor sem precisar ver a cara, os olhos, o pavor do inimigo sob sua mira implacável, um inimigo alcançado a distâncias sempre maiores - distâncias confortáveis para aplacar consciências e evitar pesadelos dolorosos -, até o dia de serem esses soldados, reciprocamente, atingidos à distância de forma igualmente implacável. A economia do inimigo também cresce na guerra.

De certa forma, uma guerra opera, ainda, milagres ecológicos significativos, desde que muita, muitíssima gente morra, abrindo espaço para a sobrevivência da espécie e aliviando a pressão insuportável sobre os recursos naturais decorrente da necessidade de garantir água, comida, roupa, remédio, habitação e conforto para bilhões de seres humanos. Morrendo muita, muitíssima gente, sobra mais para todos, isto é, para todos aqueles que sobrarem, ou sobreviverem à ação depurativa das guerras. Neste benefício das guerras não há espaço, claro está, para feridos, mutilados, incapacitados, deficientes e prisioneiros, para gente improdutiva de qualquer espécie (poetas e artistas, por exemplo, são improdutivos por natureza e tendência mórbida): é necessário que todos esses morram bem morridos para que o resto da humanidade se valha da redução brutal dos índices de densidade demográfica e ocupação do planeta.

Uma guerra desfruta da virtude adicional de criar heróis nacionais e estimular aventuras totalitárias de cunho e/ou respaldo militar, circunstância que faz a delícia de muita gente, incluídos aí políticos sem voto, desprezados pelo seu povo. Trata-se, enfim, de uma espécie de vingança deles, sua oportunidade de mostrar o que querem fazer "para o bem de todos", independente da vontade de todos, mesmo que contra as aspirações da maioria.

As guerras despertam e alimentam sentimentos universais de patriotismo, o que favorece enormemente a construção de opiniões unânimes de coesão popular, coisa que costuma ser chamada de consenso e tratada como indiscutível e inquestionável sob as penas da traição.

Guerras custam caro (razão por que dinamizam tão extraordinariamente a atividade econômica). Modestos, os governos (que as patrocinam) de hábito diminuem sua participação nesse excepcional processo de alavancagem da economia. Como informou, por exemplo, o jornal Washington Post do último dia 13, "o custo total da guerra no Afeganistão, iniciada em 2001, e no Iraque, desde 2003, já atingiu US$ 1,5 trilhão para os EUA - quase o dobro do que se acreditava até agora". Isto é maior do que o PIB do Brasil (1,2 trilhão) e significa uma conta de cinco mil dólares para cada estadunidense - incluindo as criancinhas e aqueles que não têm onde cair morto. E os abutres ainda querem invadir o Irã...

Só no Iraque já morreram mais de 3.850 jovens (militares) dos EUA - quase nada, se comparados aos 375 mil iraquianos (civis) desaparecidos. E quanta gente já morreu por lá?

O punhal mortífero que a sociedade estadunidense ainda não percebeu cravado nas suas costas é que um quarto dos seus 800 mil sem-teto é formado por veteranos de guerra. Mais grave: após o Vietnã, levava dez anos para um ex-soldado virar mendigo; hoje, mendigam, desajustados, jovens veteranos do Afeganistão e do Iraque, guerras que sequer terminaram.


(Amilcar Neves, escritor)

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Universidade em segundo lugar!
Por elaine tavares - jornalista


A eleição que ocorreu na Universidade Federal de Santa Catarina mostrou a verdadeira cara da academia. Mesmo desmascarado como uma impostura intelectual - assinando artigos que não escreveu, citando autores que não conhece – o candidato oficial teve 59% dos votos válidos de um total de 13% da comunidade universitária que resolveu ir às urnas. Os que votaram decidiram por manter a universidade como um espaço de negócios. Não importa que o reitor eleito tenha usado de uma impostura para difundir seu conceito de universidade, não importa que ele não tenha capacidade intelectual, não importa que ele tenha usado de ameaças, dizendo que vai “rever” o Instituto que é dirigido pelo homem que foi seu adversário. Nada importa. O que vale é que ele, que já dirige um projeto da Embraco na UFSC, seja o gerente eficaz para comandar o volume de negócios que é feito dentro das portas desta instituição que deveria ser pública.

Os trabalhadores que gostam de choramingar e denunciar assédio moral, os professores que reclamam não ser valorizados, os estudantes que preferem protagonizar factóides, estes decidiram ou votar na proposta de “bussines” ou se omitir. Basta ver que 59% da comunidade não votaram. As pessoas preferiram ficar nas mesas dos bares a dizer que não gostam de política, que não dá para mudar nada, que a vida é mesmo assim, que os centros ligados às humanidades são preteridos, etc... Triste academia essa. Incapaz de avançar para a mudança. Imobilizada e medíocre.

O Hospital Universitário, lugar que de alguma maneira é decisivo numa eleição, também optou por seguir apostando nos mesmos de sempre. Os que privatizam, os que terceirizam, os que praticam violência no trabalho. Os trabalhadores, cativos da servidão voluntária, não acreditam na sua própria força. Preferem se ancorar nos “salvadores” que, no mais das vezes, são os seus carrascos. Escondem-se no subterrâneo dos pequenos privilégios que aparecem como benesses de um pai amoroso, como por exemplo, as seis horas, que administração alguma se atreve a legalizar, embora faça vistas grossas. Claro, servem como moedas de troca na hora da eleição.

Entre os professores nenhuma novidade. Já faz muito tempo que uma boa parte deles desistiu da idéia de universidade. O projeto desta maioria é a busca desenfreada de dinheiro através de convênios mediados pelas fundações. Não querem saber de pensamento crítico, criação do novo, casa do saber. Querem, no melhor estilo do personagem Justo Veríssimo, “se arrumar”, produzindo para o mercado. Fora os que negociam migalhas como computadores, um prédio ou bolsas para projetos. Vendem-se por trinta moedinhas e nada querem saber de universidade com compromisso social.

Já os estudantes dividiram-se entre os que defenderam com unhas e dentes seus interesses, como os do CTC e os do CCS, os que valentemente (poucos) acreditaram no novo e os que (imensa maioria) preferiram se omitir entregando a universidade para os abutres. Os alienados de sempre não surpreenderam. A nota triste ficou por conta de um pequeno grupo de “lutadores” que fazem belos discursos contra o Reuni ou contra a reforma universitária, mas que, quietos no seu canto, deixaram passar a possibilidade de mudar a UFSC, ainda que um pouquinho só.

E assim, a UFSC segue seu caminho. Conservadora, alienada, praticamente vazia de saber. O que movimenta a vida no campus é o negócio, agora firmemente respaldado por 59% das pouco mais de 13 mil almas que participaram do processo. Já a maioria, cordeiros, bale nas veredas da universidade. Está mais interessada no diploma ao final de quatro anos. Os estudantes entrarão e sairão das salas de aula como autômatos, esperando a hora da formatura para entrar no mercado. Os trabalhadores seguirão sendo achincalhados, humilhados, pisoteados, mas sempre sorrindo e amando a mão que bate. Os professores farão projetos e ganharão dinheiro. A sociedade? Que se exploda! Ou melhor, que pague, e caro, pelo saber que financiou.

Já os poucos, os de sempre, os que acreditam que a universidade pode ser um espaço de conhecimento comprometido com o social, de saber, de sabor, de transformação, estes seguirão, firmes na luta. Uma luta que se faz não apenas na retórica ou no ato heróico, pontual, mas no dia-a-dia, no cotidiano da universidade. Afinal, mudança é coisa que demora gerações. E o bom é que pessoas há que não desistem! Permanecem, com olhos críticos, a mostrar que o rei está nu... Um dia, é certo, as gentes também verão essa escancarada nudez!
PORQUE NO TE CALAS?
Raul Longo

Porque no te calas, Dom?
Nem te envergonhas das civilizações
que exterminastes?
Incas, Maias e Astecas...
Sabedorias acima da alguma
que mal soubeste herdar dos 8 séculos
de pacientes mestres árabes.

Nada aprendes!

Porque não te calas, Senhor?
Nem te arrependes dos tantos de mim
que espoliastes da Patagônia à Califórnia?

Pirata, mercenário, usurpador:
acaso não te acordas
das tantas que estupraste?
Da gente que seviciaste?

Pelos povos que usurpaste
em América,
Ásia, África,
porque não te calas?

A quem te arrogas,
se sequer és dotado da galantaria
que a Quixote serviu?


Que ficção é essa
que crias para ti,
reizete de merda?

De Guernica
és o lado que o Mestre
sequer retratou,
pois se nunca estiveste
no desespero de tua
própria gente,
por quem te crês?

Cala-te e
devolve minha prata,
reponha meu ouro
bucaneiro arrogante!

Cala-te e
reconheça tua insignificância
que de majestosa só tem
a expressão da falência
de uma instituição anacrônica,
tardia em minha história.

A quantos ainda crês
como teus súditos?
Aqui nada és além de mero decorativo,
ridícula memória da vergonha
de um império há muito falido.

Porque não te calas, hombre?-

- Raul Longo
pousopoesia@ig.com.br
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Ponta do Sambaqui, 288688.051-001 - Floripa/SC
Fone: (48) 3335-0047

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Longe da curva do rio

(Poema de Mona Lisa)

me criei aqui no salto do rio
lugar de asfalto
de fuligem de fábrica
de ribeirão poluído de tinta

me criei aqui onde a cidade dos ipês fede um pouco

na saída da cidade na há o cotovelo do rio
mas o agouro está próximo, sem bar ou embarcação
pelas pedras não passa nada
lama e lixo nas beiras, restos humanos que desceram do vale

me criei aqui as margens do asfalto
da tremida e esburacada BR
me criei com o som das sirenes
do corpo de bombeiro tirando mais uma vitima da vala
do trevo
do asfalto

aqui é caminho, pra sair ou para chegar
e se minha escrita não é bonita
como os que fazem rotina no cotovelo do rio
explico que ainda criança, fui vizinha
da whiskeria e do puteiro

Blumenau fede um pouco
o rio é o mesmo
aqui ele é salto
aqui ele arranca as raízes
aqui ele é queda

não leva as flores de cabelos fridas
não tem coração
aqui o rio é o asfalto
é a beira da BR

aqui o rio é o que ninguém quer ver
aqui ele arranca pernas
aqui ele junta moscas

e se minha poesia não serve para livro
e se meu poema é lixo
é porque meu coração nasceu enterrado na pedra do rio,
duro como a margem do asfalto

não sou dos castelinhos
minha vizinha é prostituta

e ali onde a cidade dos ipês não fede
também não há espaço pra minha poesia
ela se derrete em mel de vespas
e cresce em doces palavrões

aqui onde eu moro
a cidade fede
a cidade dos jardins
também fede
aqui é a queda do rio


mona lisa budel
na marginal do rio !
Um Sonho no Bolso

Quantos olhos eu vejo dentro do sol? Ergue o braço menina em busca do teto sem sombra, onde andam seus passos? O fogo queima a pele, os pequenos dedinhos que nunca alcançaram as almofadas de nuvens, pedem comida na praça.
Um sorriso amarelo, reflexo do dia ensolarado, bolhas nos pés e um sonho no bolso. O que será do amanhã? Ela não pensa no que virá, mas tem a certeza de que tudo em sua vida é incerto e instantâneo, algo inevitável.
Balas, pirulitos, brinquedos, papéis para desenhar e coisas simples de criança, tudo ficou apenas na utópica lembrança, o mundo lhe roubou seu tempo, sua família, seus amigos, a sua vida dilacerada.
O barco segue sem casco, aumenta as lágrimas e o desespero de não ter para onde voltar, nada se sabe e o andar é apenas para frente.
Menina pequenina, grande mulher em seu amadurecimento prematuro, espalha alegria como se fosse jogar confetes no ar. Todos olham-na com um olhar de tristeza, todos sentem por vê-la no sinal, porém, esse sentimento é de peso na consciência, o vazio ainda é completo dentro do estomago, a menina sente fome, enquanto os outros sentem pena, ninguém lhe estende a mão, existe a desconfiança de perder o relógio ou algo que não os pertença.
A noite, sobre o cimento, debaixo do banco, perto do sinal, as luzes que param os carros, apenas ilumina seu corpo fraco e cansado. Quantos olhos ainda irão passar sobre ela?
20/11/2007 Rodrigo Rafael Giovanella (Kico).

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O CONTEÚDO DO LIVRO INFANTIL

Por Luiz Carlos Amorim (escritor e editor – Http://br.geocities.com/prosapoesiaecia )

É cada vez maior a quantidade de livros infantis que vem sendo publicados. Não é de hoje que o gênero mais vendido em feiras e bienais é o infanto-juvenil - os “contos de fadas” são vendidos até por centavos - e isso dá incentivo às editoras, grandes ou pequenas, de investirem mais no gênero. É importante que haja quantidade e variedade deste gênero destinado aos leitores em formação, pois é só oferecendo livros, colocando livros nas mãos e diante dos olhos de nossas crianças que teremos mais leitores amanhã.
Mas será que o conteúdo desses livros, apesar da quase sempre esmerada apresentação gráfica, às vezes até luxuosa, tem consistência literária?
Não vamos aqui falar dos antigos e tradicionais contos de fadas, as clássicas fábulas, lidos de geração a geração há mais de uma centena de anos, publicados em incontáveis edições, das mais sofisticadas às mais baratas. Não são eles os melhores conteúdos literários. Muitas daquelas fábulas não são nem politicamente nem educacionalmente corretas.
Vamos focalizar a literatura infanto-juvenil brasileira, tão fecunda e tão promissora: uma boa parte do muito que se tem publicado para o público infantil no Brasil é de grande qualidade literária, com excelente conteúdo. Existem, sim, aqueles livros com brilhante apresentação, com visual esmerado, mas com conteúdo que não acompanha a beleza das ilustrações e edição apurada: o apelo maior é mesmo para as cores e desenhos.
Mas há muitas edições infantis e infanto-juvenis que primam pelo conteúdo, tanto que às vezes podem prescindir da arte plástica, das ilustrações e cores. E outras em que a qualidade literária acompanha a excelente apresentação gráfica, equiparando-se e complementando-se texto e ilustração.
Desde Monteiro Lobato temos tido, cada vez mais, bons autores de literatura infantil e infanto-juvenil em nosso país. Nomes conhecidos e consagrados em todo o Brasil e nomes com grande popularidade em seus estados, muitos com dezenas de ótimos escritores de textos para crianças, alguns com projeção nacional.

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Obra de Arte
Teu corpo é para mim
Uma tela em branco
Onde desenho meus desejos
Com meu corpo
Diluído em tintas
Cobrindo teus relevos
Desenho meus desejos
Na obra de arte
Eternamente inacabada
Pelas novas paixões que desenho
Isabel Mir
Novembro/2008


Cão de caça não nega a raça

Eu cresci num mundo povoado de fadas, de histórias de santos e de histórias árabes – as fadas vieram dos livros e, decerto, da minha avó lituana, e em histórias de fadas sempre acaba tendo também duendes, e príncipes, e reis. Já as histórias de santo vieram através da minha mãe, fervorosa católica. O que nunca entendi foi como me chegaram as histórias árabes – que só identifiquei como árabes mais tarde, estudando literatura de Santa Catarina – o fato que na minha infância se contavam muitas histórias árabes, no meu colono bairro do Garcia, um bairro de origens alemãs, numa cidade de origens alemãs, no sul do Brasil. O fato é que eram famosas, lá, histórias como as da Moura Torta e outras.
Mais tarde cresci e estudei muita História, e descobri que nem sempre os príncipes eram encantados, como se dizia nas histórias de fadas, e também descobri a história de muitos outros príncipes, que nada tinham a ver com trajes de veludo e de cetim, mas que usavam chompas[1] de pêlo de lhama ou fascinantes e elaborados cocares de riquíssimas penas de aves, um dos quais existe em minha casa, herança muito amada por mim. Os príncipes de verdade, os reis de verdade, aqueles das chompas e dos cocares não viviam histórias bobinhas de moça engasgada com pedaço de maçã e coisas assim, pois eles eram tão formidáveis, que as moças se inclinavam à sua passagem e iam livremente ao seu encontro – e eles não precisavam de beijinhos açucarados para acordar moças engasgadas com pedaços de maçã, pois suas moças eram as rainhas de coisas vitais para grandes civilizações, como o milho, a batata, o amendoim, o tomate, e tantas outras. Eram príncipes e reis que viviam em perfeita harmonia com a natureza, de povos guardiões de sabedorias milenares[2], de civilizações únicas, de grandes impérios[3] - e que tinham, como desvantagem, não conhecerem a pólvora e as armas de fogo – e quando o europeu invasor chegou a esta Abya Yala[4] que hoje costumamos chamar de América, possuidor que era das novas tecnologias da guerra, e adentrou a ela segurando na mão uma espada e na outra uma cruz (o arcabuz ia a tiracolo), e portando os mortíferos germes das doenças que tinham adquirido no meio da sujeira em que vivia, não foi muito difícil o saque, o morticínio, o sadismo, o horror – e o domínio do novo continente em pouco tempo, conquistado em nome de um deus que não devia fazer a menor idéia das barbaridades que se perpetravam em seu nome.
As crueldades do domínio foram tamanhas que uma poderosa voz acabou se fazendo ouvir a favor da nossa gente de Abya Yala, a de Frei Bartolomé de las Casas, religioso que dedicou a sua vida a proteger o que já não poderia mais ser protegido. Nem vou entrar no capítulos da barbaridades sexuais e outras que o invasor europeu perpetrou na nossa América – vou apenas citar um pedacinho do que viu Bartolomé de las Casas: “Eu vi uma vez quatro ou cinco dos principais senhores torrando-se e queimando-se sobre esss gradis e penso que havia ainda mais dois ou três gradis assim aparelhados; e pois que essas almas expirantes davam grandes gritos que impediam o capitão de dormir, este último ordenou que os estrangulassem; mas o sargento, que era pior que o carrasco que os queimava (eu sei seu nome e conheço seus parentes em Sevilha), não quis que fossem estrangulados e ele mesmo atuchou pelotas na boca a fim de que não gritassem, e atiçava o fogo em pessoa até que ficassem torrados inteiramente a seu bel prazer.(...)” [5] .
Aconselho a todos que leiam tal autor e possam fazer seus próprios juízos quando a mídia oficial fala as bobagens que fala.
Pois bem, ultrajada, vilependiada, humilhada, torturada, dizimada[6], a população da minha América, da minha Abya Yala, encolheu-se e foi obrigada a aceitar o jugo – mas no encolhimento ficou a resistência, e é só agora, mais de 400 anos depois, é que os povos antigos, as culturas antigas, estão conseguindo retomar seu lugar, e nossos “índios”[7] e seus mestiços voltam a liderar seus povos, e temos gente como Hugo Chavez, na Venezuela, e Rafael Correa, no Equador, e Evo Morales, na Bolívia, e sabe-se lá mais quantos estão vindo por aí, e a roda da História vira, e hoje são eles os que sentam nas cadeiras juntos ao muy ridículo rei de Espanha em Encontros Internacionais, e têm liberdade de dizer os seus pensamentos de igual para igual – mas o reizinho fascista não tem estrutura para a crítica, não tem paciência para essas pessoas de terceira categoria que foram meros escravos dos seus antepassados, gente que nem alma tinha antes – que estão a fazer ali, tendo idéias, pensando – e até melhor que ele! – e não suportou muito tempo a reunião da semana passada. No último sábado, deixando de lado tudo o que deveriam ter lhe ensinado, interrompe uma cimeira íbero-americana aos berros, dizendo a um dos líderes da nossa gente vilependiada (antes e também agora – porque o neo-colonialismo europeu é uma verdade das brabas!) que se cale, e quando diversos líderes das nossas terras caíram de pau em cima dele (por conta dos dois colonialismos), botou o rabo entre as pernas e abandonou a reunião.
Que é que tu pensavas, heim, ô reizinho à toa? Apesar da nova fase do colonialismo (leia-se: Santander, Telefônica, Banco Real, Banco Mercantil, e muitos etc.), tu não passas é de um reizinho à toa, que ainda não se conformou que hoje já não se podem queimar americanos bem torradinhos em fogo lento, nem mandar despedaçá-los por cães treinados, nem despedaçar com espadas as barrigas de mulheres grávidas para fatiar o bebê, entre outras coisas, como nos conta Bartolomé de las Casas.
Vai pra casa, ô bobão, vai beijar mocinhas engasgadas com pedaços de maçã, que aqui tu só nos incomoda e só nos faz mal! Nosso tempo de escravidão está passando, e quem sabe a gente não perde a diplomacia e te solta à frente de um bando de cachorros treinados, né?
Blumenau, 16 de Novembro de 2007.
Urda Alice Klueger – Escritora e historiadora.

[1] Chompas: blusas, creio que na língua quíchua ou aimará.
[2] No país Equador, neste momento, está funcionando a Universidade Amawtay Wasi (em portuguêsl: A Casa da Sabedoria), que resgata e reaviva os saberes antigos. Lá, você pode cursar Direito, Medicina, Arquitetura, História, etc., como em qualquer universidade, com uma diferença: há que aprender quíchua primeiro, e depois passar um período DESAPRENDENDO o pensamento eurocêntrico. Tem europeus em penca vindo aprender tais saberes lá.
[3] Você sabia que, no século XVI, quando o europeu invasor chegou a Tenoxtitlán (hoje, cidade do México), encontrou uma cidade com 200.000 habitantes, com tais confortos e benfeitorias que até água encanada havia em cada casa? Nessa altura, a maior cidade da Europa era Paris, com 80.000 habitantes e enterrada na sujeira de séculos de imundície.
[4] Abya Yala = numa língua antiga da América Central significa “Terra Mãe”.
[5] LAS CASAS, Frei Bartolomé de. O Paraíso destruído – A sangrenta história da conquista da América. Porto Alegre, 2001, L&PM Editores, p. 35
[6] Só nas minas de prata de Potosi morreram 8.000.000 de índios, de maus tratos e fome, conforme nos conta Eduardo Galeano.
[7] Nome chato, não? Há que se pensar que, quando chegou aqui, Colombo achou que tinha chegado ao outro lado da índia – daí este nome que não quer dizer nada para nós.
Cão de caça não nega a raça

Eu cresci num mundo povoado de fadas, de histórias de santos e de histórias árabes – as fadas vieram dos livros e, decerto, da minha avó lituana, e em histórias de fadas sempre acaba tendo também duendes, e príncipes, e reis. Já as histórias de santo vieram através da minha mãe, fervorosa católica. O que nunca entendi foi como me chegaram as histórias árabes – que só identifiquei como árabes mais tarde, estudando literatura de Santa Catarina – o fato que na minha infância se contavam muitas histórias árabes, no meu colono bairro do Garcia, um bairro de origens alemãs, numa cidade de origens alemãs, no sul do Brasil. O fato é que eram famosas, lá, histórias como as da Moura Torta e outras.
Mais tarde cresci e estudei muita História, e descobri que nem sempre os príncipes eram encantados, como se dizia nas histórias de fadas, e também descobri a história de muitos outros príncipes, que nada tinham a ver com trajes de veludo e de cetim, mas que usavam chompas[1] de pêlo de lhama ou fascinantes e elaborados cocares de riquíssimas penas de aves, um dos quais existe em minha casa, herança muito amada por mim. Os príncipes de verdade, os reis de verdade, aqueles das chompas e dos cocares não viviam histórias bobinhas de moça engasgada com pedaço de maçã e coisas assim, pois eles eram tão formidáveis, que as moças se inclinavam à sua passagem e iam livremente ao seu encontro – e eles não precisavam de beijinhos açucarados para acordar moças engasgadas com pedaços de maçã, pois suas moças eram as rainhas de coisas vitais para grandes civilizações, como o milho, a batata, o amendoim, o tomate, e tantas outras. Eram príncipes e reis que viviam em perfeita harmonia com a natureza, de povos guardiões de sabedorias milenares[2], de civilizações únicas, de grandes impérios[3] - e que tinham, como desvantagem, não conhecerem a pólvora e as armas de fogo – e quando o europeu invasor chegou a esta Abya Yala[4] que hoje costumamos chamar de América, possuidor que era das novas tecnologias da guerra, e adentrou a ela segurando na mão uma espada e na outra uma cruz (o arcabuz ia a tiracolo), e portando os mortíferos germes das doenças que tinham adquirido no meio da sujeira em que vivia, não foi muito difícil o saque, o morticínio, o sadismo, o horror – e o domínio do novo continente em pouco tempo, conquistado em nome de um deus que não devia fazer a menor idéia das barbaridades que se perpetravam em seu nome.
As crueldades do domínio foram tamanhas que uma poderosa voz acabou se fazendo ouvir a favor da nossa gente de Abya Yala, a de Frei Bartolomé de las Casas, religioso que dedicou a sua vida a proteger o que já não poderia mais ser protegido. Nem vou entrar no capítulos da barbaridades sexuais e outras que o invasor europeu perpetrou na nossa América – vou apenas citar um pedacinho do que viu Bartolomé de las Casas: “Eu vi uma vez quatro ou cinco dos principais senhores torrando-se e queimando-se sobre esss gradis e penso que havia ainda mais dois ou três gradis assim aparelhados; e pois que essas almas expirantes davam grandes gritos que impediam o capitão de dormir, este último ordenou que os estrangulassem; mas o sargento, que era pior que o carrasco que os queimava (eu sei seu nome e conheço seus parentes em Sevilha), não quis que fossem estrangulados e ele mesmo atuchou pelotas na boca a fim de que não gritassem, e atiçava o fogo em pessoa até que ficassem torrados inteiramente a seu bel prazer.(...)” [5] .
Aconselho a todos que leiam tal autor e possam fazer seus próprios juízos quando a mídia oficial fala as bobagens que fala.
Pois bem, ultrajada, vilependiada, humilhada, torturada, dizimada[6], a população da minha América, da minha Abya Yala, encolheu-se e foi obrigada a aceitar o jugo – mas no encolhimento ficou a resistência, e é só agora, mais de 400 anos depois, é que os povos antigos, as culturas antigas, estão conseguindo retomar seu lugar, e nossos “índios”[7] e seus mestiços voltam a liderar seus povos, e temos gente como Hugo Chavez, na Venezuela, e Rafael Correa, no Equador, e Evo Morales, na Bolívia, e sabe-se lá mais quantos estão vindo por aí, e a roda da História vira, e hoje são eles os que sentam nas cadeiras juntos ao muy ridículo rei de Espanha em Encontros Internacionais, e têm liberdade de dizer os seus pensamentos de igual para igual – mas o reizinho fascista não tem estrutura para a crítica, não tem paciência para essas pessoas de terceira categoria que foram meros escravos dos seus antepassados, gente que nem alma tinha antes – que estão a fazer ali, tendo idéias, pensando – e até melhor que ele! – e não suportou muito tempo a reunião da semana passada. No último sábado, deixando de lado tudo o que deveriam ter lhe ensinado, interrompe uma cimeira íbero-americana aos berros, dizendo a um dos líderes da nossa gente vilependiada (antes e também agora – porque o neo-colonialismo europeu é uma verdade das brabas!) que se cale, e quando diversos líderes das nossas terras caíram de pau em cima dele (por conta dos dois colonialismos), botou o rabo entre as pernas e abandonou a reunião.
Que é que tu pensavas, heim, ô reizinho à toa? Apesar da nova fase do colonialismo (leia-se: Santander, Telefônica, Banco Real, Banco Mercantil, e muitos etc.), tu não passas é de um reizinho à toa, que ainda não se conformou que hoje já não se podem queimar americanos bem torradinhos em fogo lento, nem mandar despedaçá-los por cães treinados, nem despedaçar com espadas as barrigas de mulheres grávidas para fatiar o bebê, entre outras coisas, como nos conta Bartolomé de las Casas.
Vai pra casa, ô bobão, vai beijar mocinhas engasgadas com pedaços de maçã, que aqui tu só nos incomoda e só nos faz mal! Nosso tempo de escravidão está passando, e quem sabe a gente não perde a diplomacia e te solta à frente de um bando de cachorros treinados, né?
Blumenau, 16 de Novembro de 2007.
Urda Alice Klueger – Escritora e historiadora.
VENDO FIDEL PELA TV
====================
(Há dias em que uma palavra distante se apodera de mim (...) Danço e choro em meus numerosos funerais. - Alejandra Pizarnik)

(da poetisa Claribel Terré Morell - traduzido por Urda Alice Klueger em 2005)

Aqui estamos, Meu Comandante
longe e com isso que chama de alma ferida
Você mais velho
que a última vez em que falamos ,
talvez também um pouco mais cansado das utopias, é algo que penso
porque seu traje mostra uma ruga.

Quem iria dizer, Meu Comandante?
Às vezes um está longe
e muito extraviado.
Minha filha chora,
é pequena.
Quando crescer pode ser que nunca
lhe ensinem na escola
quem é você
- aqui os heróis são outros -
ou talvez você será o mesmo de sempre
e ela, minha filha
ira se rir da sua velha mãe
que correrá a buscar uma foto
aquela em que estamos você e eu
numa tarde de dezembro em Havana,
você sorridente.
Atrás há uma palmeira
apagada pelo tempo
em Buenos Aires elas não existem
e o povo não sabe
Como é viver numa ilha.

Meu Comandante
- soa rara a frase -
como a dizer que se estranha.
(de Claribel Terré Morell - traduzido por Urda Alice Klueger em 2005)
De olho no bolo e na bola


É necessário acreditar sempre no prevalecimento do bem, da verdade e da justiça que gera vida e paz.

Não é minha intenção jogar água fria em ninguém e muito menos em projetos que prometem mais qualidade de vida para o povo. Quando não posso colaborar, muito faço não atrapalhando. Portanto, água fria só fica bem se jogada no ardor do verão. Mas, é muito importante que fiquemos atentos aos desdobramentos das notícias de alguns dias atrás.

Duas notícias boas chegaram até nós. A primeira foi a da escolha do nosso país para sediar a Copa do Mundo de 2014. Nos bastidores, a bola está rolando. Vozes disseram que este acontecimento vai ser muito importante para o Brasil. Gente do mundo inteiro virá para cá; a economia do Brasil vai esquentar com o turismo. Muitos empregos serão gerados... Fiquemos de olho nesta bola.

O evento, realmente, não deixa de ser importante. Mas, precisamos fazer com que o seja para todas as pessoas. Corremos o risco de, anestesiados com a notícia, ficarmos apenas na posição de espectadores deslumbrados.

Assim, como poderá trazer vantagens, as desvantagens são possíveis, pelo menos para a maioria da população. O velho ditado “pão e circo” tem muito de real.

A partir de agora, pessoas, grupos, empreiteiras... poderão lucrar freneticamente. O governo, em parceria com o setor privado, vai investir muito em infra-estrutura e o perigo da corrupção astronômica é iminente. Fiquemos vigilantes e na militância. A bola está rolando e não podemos ficar alheios, porque o povo também pode rolar.

Outra notícia boa foi o anúncio da descoberta, pelos técnicos da Petrobrás, do maior poço de petróleo e gás natural, na bacia de Santos. Parabéns aos nossos pesquisadores.

O Presidente da República disse, numa reportagem, que este é um presente de Deus para o Brasil. Eu tomo a liberdade de corrigir: é um presente de Deus para o povo Brasileiro.
Devido à profundidade, esta riqueza começará a render no auge da Copa do Mundo.
É preciso ficar de olho no bolo.

Desde já, equipes técnicas estão buscando o aperfeiçoamento da tecnologia, para que o bolo venha à tona. Concomitantemente, outras equipes da sociedade civil devem se organizar, pensando nas políticas públicas, para que este presente de Deus chegue ao povo que trabalha pesado para a grandeza desta nação e que normalmente recebe migalhas.

Vamos ficar de olho na bola e no bolo. Que tudo seja acompanhado. Saibamos por onde a “bola” corre para que o “bolo” seja partilhado com eqüidade.

Normalmente, os que saem da senzala para a casa grande, tendem a esquecer o sofrimento e os que continuam na penúria. Quando muito, a olham de longe e atiram migalhas e, às vezes, nem isso. Neste exato momento em que escrevo, está acontecendo o despejo de um acampamento dos sem-terra, aqui em Caçador. Em torno de 200 soldados, enviados pelas “autoridades”, fazem este “serviço” no dia de mais relâmpagos, trovoadas e chuvas torrenciais. São mais de 200 crianças sem contar os jovens e adultos. Todas as pessoas, com seus poucos pertences e alimentos molhados. Poderiam ter feito isto em outro dia. Lembro que esta terra é da União e está cedida em comodato à Epagri. É muita terra e está sendo usada também para plantar pínus e eucaliptos. Dizem que estão voltados para a pesquisa na área da agricultura familiar. Mas são palavras para ludibriar os menos avisados. O agronegócio tem preferência E quanto ao momento do despejo, fiz esta pergunta a mim mesmo, por que não escolheram um dia de sol? Tantas crianças molhadas, assustadas, amedrontadas, famintas... para isso existe o inferno. Basta uma leitura orante do Evangelho de Mateus 25,31ss. Deus não falha!..,

De olho atento na bola e no bolo, para que no final do espetáculo não venha a ocorrer que as lonas do circo caiam e o povo também, como soe acontecer.

Dom Luiz Carlos Eccel
Bispo Diocesano de Caçador
No caminho de El Tatio
Por elaine tavares - jornalista

Eu não esqueço da cena. Era madrugada e um pequeno grupo saía em direção a El Tatio, um dos pontos mais altos da região da quebrada de San Pedro de Atacama, no deserto chileno, onde ficam os famosos gêiseres. Havia chovido bastante na noite anterior e as estradas estavam muito ruins. O guia que levava o grupo era um legítimo representante dos Likan Antay, o povo atacamenho, originário do lugar. Seu nome: Getúlio. Homem de poucas palavras, com aquele silêncio pesado que precede tempestades, típico das gentes do Atacama que vêem a cada dia seus espaços sendo tomados por empresários europeus.

Na Van seguia um animado grupo composto por brasileiros, chilenos, e um espanhol. Basicamente colocávamos nossa vida nas mãos daquele homem, pois o caminho era absolutamente invisível, tamanha a espessura da neblina. Nada se via e só o que a gente sabia era que de um dos lados da estreita estrada se abria um precipício imenso. Getúlio seguia impávido, conhecedor que era daquelas milenares veredas.

Então, houve um estrondo e o carro caiu num buraco, pendendo para o lado do penhasco. Foi um momento de pânico geral. Logo estávamos todos na rua e Getúlio tentava retirar o carro da fenda onde tinha caído. Foi nessa hora que o espanhol surtou. Dizia ao indígena que ele era um irresponsável, que não havia condições do carro subir a montanha, que estava colocando em risco sua vida e tantas outras barbaridades que não vou reproduzir. Getúlio ouvia com sua impassível paciência enquanto, sozinho, lutava para tirar o carro da vala. Ficava explícito ali naquele monólogo do espanhol todo desprezo que ele tinha pelo saber e pela cultura de Getúlio, do povo originário.

E foi tanta a loucura do espanhol que ele praticamente obrigou todo mundo a voltar para a vila, fazendo ameaças e impedindo que o carro seguisse o caminho. Como se a estrada ruim e o acidente fossem responsabilidade de uma natural “burrice” de Getúlio. A histeria do cara foi tanta que todos decidiram voltar e retornar a El Tatio só na madrugada seguinte, sem a presença do espanhol. Foi o que fizemos.

No dia seguinte partimos pela mesma estrada e com o mesmo motorista, vivendo a mesma aventura da neblina fechada. Lá em cima, maravilhada com a beleza dos gêiseres, tive tempo de conversar com Getúlio enquanto devorávamos sanduíches no almoço. “Esse povo é assim, acha que ainda manda por aqui”, disse ele. “Pensam que somos sua colônia. Não somos!”. Pois não é que no dia seguinte fomos todos chamados à chefatura dos “carabinieri” para dar declarações. O espanhol havia feito uma denúncia contra Getúlio, dizendo que ele havia colocado em risco a nossa vida. Claro que todos defendemos Getúlio, pois ele não só tinha cuidado muito bem da situação como sabia andar naquelas estradas de olhos fechados. Nunca houve risco para nossa vida. Foi o maior mico do espanhol!

Eles ainda pensam que somos colônia

Pois atitude semelhante teve o rei da Espanha, Juan Carlos, na última semana quando mandou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, calar a boca. Vivendo a irrealidade do conto de fadas, num anacronismo sem limites, de uma aristocracia carcomida, o rei incorporou a dita “superioridade colonial”, acreditando que aquele mestiço falastrão nada mais poderia fazer senão calar a boca ao seu mando.

Faz parte do jogo de simulacro essa coisa grotesca de vir para a América Latina, segurar indiozinhos no colo, fazer visitas aos pobres, percorrer favelas. Coisa de realeza, acima do bem e do mal, olhando pelos antigos súditos. Agora, ouvir críticas da boca de um mandatário de uma nação soberana, que não se submete, aí já é demais para o rei. Então ele esquece todo esse “bom mocismo” de beijinhos falsos e perde a tramontana. É que, na verdade, a Espanha ainda domina grande parte das terras de cá. Hoje de um jeito novo, via empresas transnacionais. Controla minas, telefonia, bancos, comunicação e tantas coisas mais, serviços estratégicos no mais das vezes. Um novo jeito de colonizar, de manter sob o cabresto. Governos latino-americanos há que ainda se submetem e baixam suas cabeças para esses interesses, espanhóis ou não. Outros não têm medo, como Chávez, e denunciam. Então assoma a arrogância européia: Cala a boca! Tal qual o espanhol dirigindo-se a Getúlio nas entranhas do deserto.

O que Juan Carlos não sabia é que, de Chávez, não se pode esperar o silêncio imemorial. Ele é príncipe das palavras, que lhes brotam aos borbotões, principalmente quando é para defender a soberania da gente de “nuestra América”. E ele não cala a boca assim fácil não. Ao contrário. Ele grita, um grito aprisionado desde há 500 anos. Que não se cala mais. Se alguém tem de calar, aqui, agora, na nossa terra, é “el rei”. Já basta! Não por acaso esta é a frase que ouvi de uma das bocas quentes de El Tatio naquela manhã de fevereiro. Já basta! As gentes de Abya Yala já não se calam mais!...
Mudanças climáticas e a Igreja da esperança


Leonardo Boff
Teólogo

Luiz Cláudio Costa é um eminente cientista brasileiro da Universidade Federal de Viçosa-MG que colaborou nos trabalhos de mudanças climáticas e seus impactos na agricultura da Organização Meteorológica Mundial da ONU. Participando do Encontro Fé e Política que reuniu mais de cinco mil pessoas nos dias 10 e 11 de novembro em Nova Iguaçu-RJ coordenou uma plenária sobre aquecimento global. Quero transcrever aqui seu testemunho pois nos traz uma reflexão que, concretamente, nos pode ajudar. Escreve ele:

"O Prêmio Nobel da Paz conferido ao Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e a Al Gore precisa nos levar a uma inquietação dinâmica e se transformar em ação-esperança de que é possível encontrar um novo modelo de vida, de desenvolvimento e construir estratégias para associar a necessidade e a vocação natural do homem ao desenvolvimento com a responsabilidade ecológica. Será que é possível mudar e encontrar novas maneiras de produção, de distribuição, de relacionamento com o próximo e com o ambiente? Se considerarmos somente a perspectiva de mercado estaremos, como enfatiza Leonardo Boff no Jornal do Brasil "...construindo apenas uma Arca de Noé salvadora do sistema imperante, que escamoteia o cerne da questão, o próprio sistema, mas que não nos salvará do dilúvio...".

Durante o 6o Encontro de Fé e Política tive o privilegio de realizar uma reflexão técnica sobre o tema aquecimento global. Ai encontrei um jovem agricultor chamado Grenaldo Pinto, de Vermelho Novo, Minas Gerais. No dia seguinte à plenária, abordou-me Grenaldo: "Prof., eu preciso fazer alguma coisa na minha cidade para evitar o aquecimento global. O Sr. poderia mandar um CD com a sua apresentação para o padre da Paróquia de Vermelho Novo, a fim de que eu e ele possamos começar um trabalho de conscientização na comunidade?" E antes que eu respondesse esclareceu: "Professor, eu trabalho na enxada e devo precisar de cerca de dez dias do meu trabalho para pagar um CD deste...".

Após esse dialogo, eu que sempre tive confiança que a humanidade seria capaz de vencer o grande desafio do aquecimento global, passei a ter convicção. Refleti ainda sobre o nosso grande equivoco quando afirmamos que as mudanças climáticas foram causadas pela ação antrópica, ou seja, pela ação humana. Quanta injustiça para com o Grenaldo! As mudanças climáticas foram causadas por uma pequena parcela tão bem definidas por Ghandi:"A Terra tem o suficiente para o sustento de todos, mas não tem para a ganância de uns poucos." Mas, ao contrário, serão as ações antrópicas, de cidadãos engajados como Grenaldo que irão trazer a solução.

A união de informações cientificas, vontade política, competência técnica e a fé de cidadãos como Grenaldo e de tantos outros que encontrei durante o 6o Encontro nos trazem a certeza de que podemos refletir, agir e mudar os hábitos e os valores equivocados que hoje regem o planeta. Para Grenaldo e seus colegas de encontro, a fé é muito mais que dogmas, o rito muito mais que atos mecânicos, e o amor muito mais que uma verbalização poética, são instrumentos de ação e, portanto têm o poder de transformar". Muto bem dito.
A cabeleireira

Eu me sentei na cadeira em frente ao espelho. Ela trouxe uma capa preta e me vestiu. Mais com os olhos do que com a boca, perguntou:

– Como o senhor deseja?

– Normal, curto, mas prefiro que corte com tesoura. Foi o que respondi. Era novembro de 1983. Eu tinha 25 anos. Homem comum, qualquer um, como diz a canção. Ainda lembro daquele dia em que pegou meus cabelos e, delicada e automática, começou a cortá-los. Não dizia nada, nem sequer olhava no espelho, por mais que eu caçasse ali o seu olhar. Devia ter a minha idade. Terminou o corte, perguntou se estava bom, disse o preço e pediu para voltar outra vez.

Faz 25 anos que eu corto o cabelo no mesmo lugar. Vinte e cinco anos em que mês a mês, eu e a cabeleireira, nos isolamos numa ilha cercada de espelhos. Eu, carneiro, sou tosado pelas mãos de uma mulher que nem sei o nome completo. Nunca nos falamos mais do que o bom dia habitual. Depois que ela descobriu o quanto sou conservador em cortes de cabelo, parou até de me perguntar se estava bom.Por ela eu vi passar o tempo.

Primeiro uma aliança na mão direita. Depois na esquerda. Um período em que seus movimentos ficaram mais aéreos. Ainda havia firmeza de pele, de boca. E os olhos sempre fixos apenas na sua habilidade de cortar cabelo.

Depois a barriga cresceu. – Acho que é menina – , disse-me como num sonho, sem que eu perguntasse, sem que eu conseguisse aumentar a conversa. A filha nasceu. Às vezes, chorava dentro do carrinho. Ela saía de mim e ia cuidar da criança. Aquele frio que me fechava as pálpebras devia ser o ciúme.

Certo dia um olho roxo. Mês depois, a mão esquerda sem aliança. Quando eu ia perguntar como ela estava, empurrou minha cabeça pra baixo, até que meu queixo encostasse no peito. Estava, sutilmente, me fazendo calar.

Apareceu então com um cabelo loiro. Noutro tempo de preto, soube por terceiros que a mãe tinha morrido. Há uns dez anos a vi chorando novamente. - Vou ser avó... muito cedo, muito cedo... – e nada mais disse, nada mais chorou. Devia ter quarenta. Se não tinha mais a firmeza de antes, continuava delicada e automática no seu afazer.

Por respeitar demais essa distância, eu a vi novamente com uma aliança na mão esquerda, novamente me abandonar para cuidar da neta chorona, novamente a aliança sumir da mão esquerda. – Não dou sorte no amor – foi o que me disse mês passado.Vinte e cinco anos. Sei nada e sei tudo desta mulher. Olho-me e percebo que o tempo também passou por mim: menos cabelo, um enrugamento profundo no canto dos olhos, a sólida tristeza de não ter amado na concretude do corpo. De ter vivido em torno de um desejo etéreo. Por isso, hoje
decidi que vou conhecê-la de verdade. Ela está lá. Já me espera com a capa preta, a tesoura e o pente.– Achei que não vinha mais –, disse-me serenamente...

Rubens da Cunha

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

O aqüifero Guarani
Leonardo Boff
Teólogo



A água potável é uma das preocupações maiores da humanidade, pois somente 0,7% dela é acessível ao uso humano. Um bilhão de pessoas tem água insuficiente e dois e meio bilhões não dispõem de saneamento básico. Como na fase planetária da humanidade não há um contrato social mundial que confira caráter civilizado às relações entre os povos, são muitos os que postulam criar tal pacto ao redor daquilo que absolutamente interessa a todos: a água potável.
O Brasil comparece como a potência mundial das águas, pois aqui está 13,8% de toda água doce do planeta. E ainda dispomos junto com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai do maior aqüifero do mundo (águas subterrâneas), o Aqüifero Guarani. Possui um volume maior que toda a água contida nos rios e lagos da Terra. Para o interesse dos leitores oferecemos dados de três especialistas do Paraná em sua minuciosa pesquisa "Aqüifero Guarani" (2004), de Nadia Rita/José Roberto Borghetti e Ernani Francisco da Rosa Filho.
Antes de mais nada cabe dizer que não se trata de um lago subterrâneo, mas de uma cadeia imensa de aproximadamente 1,2 milhões de km quadrados de rochas arenosas, saturadas de água que ficam, em média, entre 70 a 800 metros abaixo do solo, perpassando 8 Estados (70,2% da área do aqüifero): Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A área total do aqüifero é de 1.195.500 km quadrados, superior à soma da França, Espanha e Inglaterra juntos.
Seu surgimento geológico é muito curioso. O aqüifero está assentado sobre um deserto pre-histórico, da era mesozóica (há uns 200 milhões de anos), sobre o qual os ventos formaram extensos campos de dunas. No período do cretácio (há cerca de 125 milhões de anos) houve formidáveis irrupções vulcânicas que recobriram de lava toda aquela região arenosa. Surgiu aquilo que hoje se chama Formação Serra Geral. A lava solidificada estancou a areia de alta porosidade permitindo grande acúmulo de água, cerca de 48.000 km cúbicos (48 quatrilhões de litros). O potencial de extração, sem riscos para o aqüifero, é da ordem de 40 km cúbicos anuais (cerca de 40 trilhões de litros). O aqüifero não é contínuo. Em vários lugares como no Paraná está completamente compartimentado, havendo uma espécie de diques verticais basálticos que isolam as águas, armazenando-as por até 30.000 anos.
Há três tipos de águas no sistema Guarani, tipicamente água doce com total mineralização, água salobra e água alcalina. O uso principal das águas no Brasil é para abastecimento da população(70%), para uso industrial (25%) e para turismo hidrotermal (5%). Isso é feito lá onde ele aflora ou então por poços cuja profundidade varia de 300 a 800 até 1.795 metros de profundidade conforme as regiões com vazões da ordem de 75 e 520 metros cúbicos por hora.
Os estudos têm revelado que as águas do Aqüifero Guarani estão ainda livres de contaminação. Mas em regiões de recarga, especialmente de intensiva atividade agroindustrial como em Ribeirão Preto, Araraquara e Piracicaba a vulnerabilidade é maior em razão dos pesticidas.
Como o aqüifero envolve quatro paises, estão se formulando políticas comuns no sentido de preservar este bem natural e imprescindível e torná-lo disponível não só para nós mas também para a humanidade sedenta e faminta.
Pra você, menino!


Homenagem a Adenilson Teles

Eu partilhei de toda luz
Vi crescer, devagar e segura
Na sala de aula.
Menino fazendo-se homem,
Homem se fazendo jornalista.
Tinha o texto afinado
E o compromisso com as vítimas,
Sempre...
Nunca ficou alheio à luta.
Deu o seu melhor,
Na política, na vida.
Escolheu a margem menos segura
A dos oprimidos
Dos desvalidos, os seus.
Com eles caminhou
Na rádio, na rua, no compromisso.
Tinha a voz potente, de locutor
Arauto de sonhos e esperanças.
Os olhos clarinhos
Derramavam a ternura mais profunda.
Lembro do seu riso a beira do Rio Branco
Nos confins do Brasil
Quando esperávamos a hora de ver
A Venezuela revolucionária.
Cúmplices!...
Ainda ouço os seus desejos,
Na fulgurante Caracas,
De um jornalismo bonito, libertador
De vida digna, de lutas limpas.
Agora ele se junta ao grande mistério
Não mais corpo, não mais riso.
Mas, certamente, presença
Porque a morte é só um portal
Para o esperado ainda-não.
Para a plenitude, a saciedade.
Fica a saudade, grande...
E a certeza de que vives
Em cada passeata,
Em cada emissão da radio comunitária
Em cada vitória dos trabalhadores!
Em nós.
Voa livre, menino...
Até o grande encontro...


por elaine tavares
FAZER O NATAL

Por Luiz Carlos Amorim (Escritor e editor – lc.amorim@ig.com.br )

Natal chegando, esse tempo mágico de renascermos, de deixarmos nascer em nossos corações um Menino que nos trará fé e esperança, de mostrarmos que amamos nossas pessoas mais caras, dando-lhes carinho e presentes.
Mas há aqueles, menos privilegiados que nós, que precisam mais do que um presente simbólico: existem pessoas carentes, muito pobres, que precisam de tudo, até do alimento mais básico. Há crianças que nunca ganharam um presente, uma roupa nova, um par de sapatos novos. Parece exagero, eu sei, mas infelizmente não é.
Todos sabemos que as crianças, até certa idade, acreditam em Papai Noel. Sabemos, porque nós também acreditamos, por um período curto, talvez, mas acreditamos. Antes mesmo de saber o significado do Natal, as crianças ficam conhecendo Papai Noel. E até que acabe o encanto, até que o Velhinho perca a magia, que a criança descubra que não existe quem consiga dar brinquedos para todas os pequenos do mundo inteiro, ela acredita que os presentes que ganha na festa maior da humanidade são trazidos por ele, o velho Noel de roupa vermelha e barbas brancas, de um tempo frio que não combina muito com o nosso, mas que importa? É colorido e faz “Hou, hou, hou”.
Por isso, pedem coisas a ele, escrevem cartas endereçadas ao Pólo Norte e até colocam no correio. Pois são essas cartas, de crianças fazendo pedidos ao Papai Noel, enviadas também por adultos carentes, que os correios da nossa região resolveram colocar à disposição de quem quiser e puder atender um pedido. Não é maravilhoso? Restabelecer o encanto, resgatar a magia, poder provar que existe um Papai Noel em algum lugar, por que não dentro de nós?
E algumas pessoas vão lá e escolhem uma carta que possam atender – ou escolhem aquelas que precisam mais, porque essas cartas não pedem só brinquedos, pedem remédios, comida, um lugar para morar, etc. – e vão lá entregar, embora não vistam a roupa vermelha nem tenham barba branca.
Este é o verdadeiro espírito do Natal. Isto mostra que o Menino de dois mil e tantos anos está nascendo, mais uma vez, no coração dos homens. Que ele está entre nós.
Passe você também no correio mais próximo, qualquer que seja a sua região, estado ou país, e peça pelas cartas endereçadas a Papai Noel. Quem sabe não podemos devolver o espírito do Natal, o verdadeiro sentido do Natal a alguém?
NASCEU A CONFRARIA DE QUINTANA

Por Luiz Carlos Amorim


Em meados de 2006, quando comecei a organizar uma edição especial do Suplemento Literário A ILHA exclusivamente sobre Mário Quintana, em comemoração ao centenário de nascimento do poeta, a minha amiga Fátima de Laguna, para quem eu havia pedido um texto para a revista, propôs que pensássemos na criação de uma Confraria de Quintana. A idéia era reunir os escritores que também eram leitores e admiradores do grande poeta, que na época estaria completando cem anos de vida. Disse a ela que era um projeto que tínhamos que levar adiante, que juntar escritores/leitores quintanianos para apreciar e discutir a sua obra, escrever sobre ela, divulgá-la, seria ótimo.
A revista Suplemento Literário A ILHA saiu, em julho de 2006, com vinte e oito páginas e textos de vários escritores apaixonados pelo Menino Quintana, mas a Confraria tinha ficado em suspenso, embora o grande número de pessoas que publicaram seus textos em homenagem ao poeta já deixasse ver que havia um bom número de prováveis adeptos.
As comemorações do centenário do poeta aconteceram por todo o Brasil, homenagens merecidas se sucederam e o ano de 2006 passou. Quase um ano depois, Fátima não tinha esquecido a Confraria e voltou à carga com determinação: idealizou a revista Mirandum, fez uma seleção de textos para o conteúdo da primeira edição, alguns tendo como tema o poeta. E editamos a revista – estava criada a Confraria de Quintana.
O número dois da revista Mirandum está sendo lançado e não se trata simplesmente da revista de um grupo literário. É o registro de textos de pessoas que lêem o grande poeta Quintana, que reconhecem a obra grandiosa que ele nos legou e se unem para manter vivo e cada vez mais conhecido esse legado.
Os amantes da prosa e da poesia de Quintana, o mágico artista construtor de emoções, que quiserem se juntar a nós, que escreveram sobre o poeta e sobre a sua obra, contatem conosco para fazerem parte de Confraria: fbarreto@bizz.com.br e lc.amorim@ig.com.br .
Os anormais de Santa Catarina


E tem gente, lá em outros lugares, e aqui também, que acha que Santa Catarina (e o Vale do Itajaí) são mesmo o Umbigo do Mundo, lugar freqüentado só por alemãezinhos de alto naipe, gente perfeita, fazedora de Oktoberfest, e que vive dançando em trajes típicos enquanto se mata de trabalhar para fazer deste recanto do Brasil o próprio Paraíso Terrestre: Paraíso Terrestre aqui, ó! Inferno de anormais, digo eu. Está certo que tem gente que se mata de trabalhar mesmo, e que gosta de festejar mesmo, mas isto não exclui o bando de anormais que andam pelo poder aqui em Santa Catarina, a começar pelo governador – e podem olhar tim-tim por tim-tim se em alguma outra vez eu usei do nome dele para falar alguma coisa, mas agora não está dando para segurar: Luiz Henrique da Silveira, governador de Santa Catarina, faz algum tempo andou defendendo umas idéias, num jornal, que até hoje não consegui engolir: eugenia, sem mais nem menos. Sabem o que é eugenia? Nada menos que as idéias de Hitler: só deixar viver quem é bonito, loiro, sábio – os outros, fogueira neles, ou câmara de gás, decerto desejo acalentado pelo venerável senhor desde os tempos de criança, quando não era nem bonito, nem loiro e nem sábio, e deve ter sofrido muito nas mãos de uns nazistazinhos que freqüentavam a mesma escola que ele – como a idade não o deixou nem mais bonito, nem mais loiro, e muito menos mais sábio, se ele constrói a tal câmara de gás, está sujeito a ser dos primeiros a ser fritado. Parece que estou defendendo a idéia de que loirinhos bonitos são perfeitos e escaparão da câmara de gás – não é nada disto.

“Mauricinho anormal” quer meter exército contra povo Xokleng

Se olharmos o Inferno de Anormais que anda por aí no poder, vamos dar de cara, bem rapidinho, com um alemãozinho também metido a nazista, oriundo daqui desta cidade de Blumenau, que propõe publicamente baixaria ainda pior: mandar o exército fazer uma carnificina nos índios Xokleng, moradores de José Boiteux, explorados e vilependiados pelos alemãezinhos e outros, que lhes roubaram as terras, a cultura, quase que a alma, e agora desejam lhes roubar, quiçá, a vida. O nome desse anormal? Jean Kuhlmann, do séqüito dos anormais que andam ao redor do governador anormal, infelizmente, meu conterrâneo. E o povo, por aí, achando que isto aqui é o Paraíso!

Abaixo o racismo e a xenofobia em Gaspar

E o pior não são sequer as baixarias acima: o pior é o que está acontecendo em Gaspar! O povo Guarani, que recebeu indenização por terras perdidas na sua reserva do Morro dos Cavalos, resolveu investir em terras de Gaspar, com a legal interveniência da FUNAI e tudo o mais. Sabem o que está rolando lá em Gaspar? A princípio, os anormais de lá pularam para fora das suas tocas, e basta uma coletânea de algumas declarações que se faz por lá para você se inteirar o que é preconceito. A princípio, ao saber do desejo dos Guarani, o Prefeito Adilson Schmitt desapropriou a terra que ia ser comprada, dizendo-a de utilidade pública, para que os Guarani não possam tê-la. E vamos ver algumas declarações: “... Outra polêmica em Gaspar. Eu acredito que essa vai ser avassaladora. Vamos ter novos moradores em Gaspar. Índios. Será que nós merecemos, povo gasparense?...” (Ivanilde Rampelotti, presidente do Sindicato Rural local). De Gilberto Schmitt, jornalista, sob o título de “Chumbo”: “Sou contra a vinda deles(...) Se eles querem uma identidade própria, não é nada legal alojá-los no meio da civilização.(...) A FUNAI quer empurrar uma tribo indígena goela abaixo para Gaspar(...) Não quero noticiar aqui o nascimento de nenhum índio de olhos azuis.” E isto é só uma pequena amostra. Queria saber que grande “civilização” é esta que existe em Gaspar, queria saber desde quando racismo deixou de ser crime inafiançável, para esses anormais andarem assim à solta por lá, queria saber o pedigree que atesta a arianidade dessa gente alinhada com o governador eugenista! E queria perguntar ao douto Gilberto Schmitt sobre como irão nascer índios de olho azul, se os ditos “arianos” de Gaspar não forem lá furunfar com as índias. Elas devem ser a sua grande tara sexual, não é, seu descendente de ladrão de terras de índios, em ponto de bala para ir para a cadeia por crime inafiançável? A última notícia é de que os Guarani e a FUNAI desistiram das terras de Gaspar. Eta Estadinho à toa! E como tem anormal se achando o máximo por aqui!

Blumenau, 29 de Outubro de 2007.


Urda Alice Klueger
Historiadora e escritora
O HOMEM DO PÕR-DO-SOL E DAS BORBOLETAS BRANCAS

(Para Adenilson Teles dos Santos)

Dia 31 de dezembro de 2006, Chaco Paraguaio, hora do pôr-do-sol. É assim que eu quero lembrar-te, meu amigo, no calor daquele Chaco e daquele dia, as janelas do ônibus abertas ao máximo, o vento entrando por elas e querendo nos refrescar, e tua franjinha de seda voando com o vento, a fascinação pela beleza daquele último sol do ano a te acender os olhinhos de estrelas, a máquina fotográfica na mão...
O pôr-do-sol no Chaco Paraguaio é uma das coisas mais bonitas de se ver no mundo – bem como a lua cheia, quando nasce lá, toda alaranjada, como já a vira no passado. Mas aquela que estava chegando era noite de Ano Novo, e não noite de lua, e então havia que apreciar até o último momento o mergulho daquele último sol do ano por detrás do deserto verde que é o Chaco, aquela enorme planície que um dia já fora mar e que ainda é salgada, mas onde incontáveis plantas se adaptaram ao sal e formam um sistema único no mundo, que vai desde o mais fino capim até às grandes árvores barrigudas, que armazenam grande quantidade de água nas suas barrigas para os tempos de grandes secas... Em nenhum outro lugar do mundo existe uma vegetação assim, e era bem lá dentro do Chaco, naquela incipiente noite de Ano Novo que viajávamos, e em nenhum momento me passou pela cabeça que aquele seria o último Ano Novo para ti, meu amigo dileto, e que teus olhinhos de estrelas já não se acenderiam contra a luz do pôr-do-sol em outra virada de ano!
Parece mentira pensar nisto, mas aquele era o último Ano Novo do meu amigo Adenilson Teles, e eu estava tendo o privilégio de estar ali, junto, enquanto o sol se punha e ele ficava de pé no ônibus, a pequena máquina fotográfica junto ao rosto, o curto cabelo de seda voando ao vento, aquela postura de rapaz comportado que o caracterizava se escorando nos encostos dos bancos antigos daquele ônibus antigo, a perseguir o último sol de 2006 para conseguir as melhores fotos possíveis.
Choro, choro muito, agora, quando lembro, mas é assim que quero lembrá-lo, solto e livre dentro do vento, a máquina fotográfica sendo erguida em outros ângulos enquanto o sol teimava em se ir e incendiava todo o horizonte, a franjinha de seda voando, seu rostinho tão bonito todo franzido no esforço do jornalista profissional que não podia perder de registrar a beleza incomensurável daquele pôr-do-sol – só agora, que já faz uma semana que tu te foste, é que volto a pensar de novo, e faço as contas de como a minha vida estava entrelaçada com a tua! E não só a minha: ontem, depois da missa de sétimo dia, fomos, muitos amigos, a um bar, e quando eu disse tal coisa, todos os outros também a disseram: como as nossas vidas estavam entrelaçadas com a tua, meu querido Teles, como cada um de nós precisava tanto de ti, dependia tanto de ti!
Apesar de querer sempre te lembrar na liberdade do vento dentro do Chaco Paraguaio, outras lembranças também vêm, e não há como não te lembrar como alguém onipresente nas nossas vidas, sempre com aquele jeito de bom moço, o porte empertigado atrás de todas as notícias e todos os ângulos, o passinho ágil que não o deixava perder nada, trilhando os caminhos da dignidade e da cidadania, sempre pronto para ajudar a todos, sempre cordial, atencioso e brincalhão ao telefone, sempre pronto a escrever o texto que era necessário naquele momento, sempre pronto a fotografar o evento que aparecesse, sempre do lado do mais pobre, do mais desprotegido, do mais necessitado - ah! meu querido amigo que não faltava em nada do que houvesse em cada vila, em cada assentamento, em cada ocupação – e que estava sempre pronto a estudar mais um pouco de teoria e ir observar o mundo todo por aí! Um ano antes daquele último pôr-do-sol de 2006 preparávamos para, via Roraima, irmos ao Fórum Social Mundial de Caracas/Venezuela – e antes estivemos nos Fóruns Sociais Mundiais de Porto Alegre – e nos primeiros dias deste ano no qual eu ainda estou vivendo adentramos à Bolívia, em encantada região que não é assim tão distante de La Higuera, e havia tanto verde, e tantos lírios do brejo muy floridos e com tanto perfume que dentro do nosso ônibus a gente se inebriava com aquele aroma que atraía milhares, milhões de borboletas brancas, e tu, emocionado,olhavas e nem fotografavas, pois ficavas pensando que decerto o Che passara por ali... senão, como tanto perfume e tantas borboletas? Meu Teles querido, decerto aquelas tantas borboletas brancas e aquele perfume de lírios do brejo te esperavam nos longos quilômetros daquele primeiro dia de Bolívia como numa saudação, porque há seres que são mágicos e sabem quando alguém não vai voltar para aquele lugar... Ah! Meu amigo tão querido, também é bom te lembrar assim, os olhinhos de estrelas fascinados por aquelas borboletas brancas, o queixo apoiado na mão de cotovelo na janela cheia de vento...
Há que chorar, sim, ao lembrar coisa tão doloridamente doce e dura, porque eu não me conformo de que tenhas ido, meu amigo querido, e eu sei que foste mesmo porque fui lá naquele velório onde parecias dormir tranqüilamente, o rostinho bonito suave e descansado, só que a franjinha de seda não voava ao vento, como quero te lembrar sempre lá naquele dia no Chaco...
Ah! Teles, ah! Teles, nunca mais a vida será a mesma. Lembro das fotos de passarinho que me mandavas, e das outras, algumas das quais até botei na parede da sala da minha casa, eu desfilando junto aos palestinos, desfilando com a bandeira do Iraque – estavas sempre atento a tudo, principalmente a quem sofria e a quem era solidário, e então me aparecias com tais fotos que nunca teria tido se no mundo não tivesse nascido, um dia, um menino que viera para fazer toda a diferença, e nenhum de nós que te conhecíamos poderemos ser, de novo, como éramos antes que entrasses nas nossas vidas.
A vida ficou muito mais difícil agora, meu amigo tão querido, tão difícil que, nós que ficamos, nem sabemos direito como agir.
Então quero te lembrar naquele pôr-do-sol do Chaco, a franjinha de cabelos de seda voando com o vento, teu jeito de bom moço a capturar o último sol do ano na máquina fotográfica, o deslumbrado encanto com o mundo amplo daquele lugar que um dia fora mar, o peito aberto para a emoção e para a vida.
Não dá para te dizer adeus, meu amigo! Tu vais estar sempre tão aqui junto de nós do mesmo jeito que estavas antes, e eu sempre vou fazer de conta que te telefono e pergunto: “Achas que posso botar tal frase no texto tal?” e outras coisas assim, e em todas as tardes de véspera de Ano Novo da minha vida vou te ver, de novo, os cabelos de seda ao vento, a ânsia de captar aquela beleza toda numa fotografia, e vou me lembrar do teu maravilhamento com as borboletas brancas da Bolívia, e pensar na tua lealdade, e na tua coragem (que vou contar num outro texto), e no entrelaçamento da tua vida com a minha, e vou chorar sempre quando a saudade vier, como agora, pois sei tão bem, tão bem, que esta é daquelas saudades raras, saudade que nunca irá passar...

Blumenau, 04 de Novembro de 2007.

Urda Alice Klueger - Escritora