quarta-feira, 23 de abril de 2008

CUBA LIVRE - era uma bebida dos anos 70

“Minha vida politicamente incorreta”

Isabel Mir

Nestes tempos conturbados, dominados por notícias das guerras de aqui e acolá, resolvi contar o que andei aprontando não faz muito tempo na ilha de Fidel.

É que foi pura coincidência eu estar em Havana no mesmo dia em que o ator americano Kevin Costner, estava lançando o seu filme sobre os mísseis russos da Baia dos Porcos, que os cubanos não conseguiram montar, ou já os teriam disparado contra os EUA e eu não estaria neste mundo para contar esta história, dentro de outras tantas inacreditáveis para os fãs Del Comandante Fidel. Bastou um único dia na paradisíaca ilha de Fidel para meu sonho do perfeito mundo socialista desmoronar.

O Hotel onde me hospedei juntamente com meu marido, ficava a duas quadras da embaixada soviética, que é a mais espetacular fortaleza da engenharia de guerra que eu já vi, nem mesmo nos efeitos especiais dos filmes americanos, que sequer chegam perto da realidade, que pode ser vista, mas não pode ser fotografada, nem filmada, nem com uma câmara oculta, pois quando tentei sair de Cuba com algumas imagens, tive todos meus pertences saqueados, pelo pessoal da camisa vermelha de Chaves, já em terras venezuelanas, onde estranhamente minha bagagem extraviada foi parar.

Mas voltemos a Havana, ao Hotel Nacional, ao Fidel e ao Kevin.

Como os cubanos, cidadãos normais, jamais sabem o que está acontecendo nas mansões da elite do partido cubano, muito menos o que acontece nos luxuosos hotéis dos quais estão proibidos de se aproximar, sob a ameaça de serem presos pois podem estar conspirando contra Fidel com algum estrangeiro, resolvi dar uma oportunidade a um casal de cubanos de pelo menos uma só noite se sentirem livres para realmente fazerem aquilo que Fidel tanto teme, ver de perto a riqueza e opulência da elite cubana.

O plano iniciou com um convite para que um casal de cubanos, ele um engenheiro e ela uma economista que nunca estudou sobre globalização e muito menos sobre capitalismo, fossem nossos guias turísticos pela velha Havana, e entre uma e outra foto, apresentamos nosso plano, que foi aceito de imediato, nem que isso lhes custassem a vida.

No dia seguinte conseguimos com que o casal fosse até nosso Hotel, onde a mulher deveria se passar por prostituta para poder subir até nosso quarto, o que é normal e aceito, pois a prostituição em Cuba também é estatal. No quarto a economista pela primeira vez em sua vida tomou um banho de água quente, sem falar no espanto que lhe causou quantidade e qualidade dos perfumes, cremes, maquiagem, que estavam a disposição dos hospedes como cortesia do hotel e começou a perguntar como essas coisas entravam em Cuba e eram doadas aos estrangeiros.

Quando ela saiu do quarto estava irreconhecível, era uma perfeita turista, maquiada, cheia de bijuterias, com roupa de moda, óculos de sol, disfarçada o suficiente, para sair do hotel sem ser reconhecida. Quanto ao seu companheiro, o engenheiro, uma camisa pólo da Lacoste foi o suficiente para o disfarce, já que sua aparência física tinha sido herdada do seu avô americano.
E lá fomos os dois casais com o carro japonês que alugamos, rumo ao Hotel Nacional.

Assim que chegamos já no estacionamento nossos dois acompanhantes ficaram por alguns segundos em estado de choque, imóveis, pareciam não acreditar no que estavam vendo, depois começaram a falar baixinho um com o outro... Pensávamos que tinham desistido do plano, mas logo o engenheiro quis saber se era verdade uma história que ele tinha ouvido quando criança antes de seu avô morrer na prisão. Referiu-se a uma rosa-dos-ventos que deveria estar nesse hotel.

Ao ser informado que era verdade, e que podíamos levá-los até a sua localização nos jardins do hotel, o casal novamente se animou e lá fomos nós... Bem só até o salão onde estavam sendo preparadas as mesas do banquete que seria servido logo após a exibição do filme.

Não havia forma de fazermos os dois dar mais um passo, os olhos fixos na prataria e na cristaleria das mesas, os arranjos de flores e frutas... Maravilhada ela queria tocar, saber se era de verdade... Falamos que corríamos perigo de vida se eles demonstrassem qualquer sentimento que não fosse o de um turista, e logo os dois se refizeram das emoções e conseguimos atravessar os vários salões da festa, nos abastecendo com tacas de um delicioso champanhe que estava sendo servido a vontade e ainda vimos o Kevin Costner esperando pacientemente o Fidel que ainda não tinha chegado para a festa porque estava discursando há mais de 6 horas para os repórteres que cobriam o evento. Procurando evitar conversa e nem dar tempo de que alguém se aproximasse do nosso grupo para não sermos identificados, nos dirigimos até os jardins do Hotel Hacional que deixariam Nabucodonosor morto de inveja, pois com certeza superam os jardins da antiga babilônia. E lá estava a enorme rosa-dos-ventos feita de mosaicos no piso do grande deque projetado sobre o esverdeado mar do caribe, contrastando com as diversas matizes dos mármores do mosaico.

Os dois pediram que esperássemos na parte de cima do deque, e se dirigiram abraços caminhando em direção a ponta mais extrema se ajoelharam e começaram a chorar.
A cena nos deixou novamente em pânico, e nos aproximamos rapidamente para tentar disfarçar e saber o que estava acontecendo. A resposta veio de um gest0o do engenheiro cubano que com a mão tremula e o peito pulsando aos soluços apontou para o mar e disse:
- São 140 km para a vida e a liberdade.

Se o nosso plano era mostrar a rica elite cubana, o deles era pular no mar e nadar até os EUA.
Perdemos a exibição do filme. Ficamos conversando no jardim para que desistissem de pular no mar. Mas pretendíamos ainda aproveitar o banquete, mas novamente ficamos em panico quando o casal nos informou que tinham que voltar para casa, pois se não estivessem no cortiço onde viviam até a meia-noite, a polícia do quarteirão seria acionada, e eles teriam que contar onde estavam, com quem, e o que faziam, e que nós é que iríamos para na cadeia.

Não foi preciso muita conversa, logo entendemos. Difícil foi passar pelo salão do banquete e voltar para o hotel sem jantar e sem uma foto ou autógrafo do Kevin.

Mas o final dessa aventura toda é que o casal com as nossas roupas doadas e passaportes falsos que uma ONG canadense conseguiu para eles, fugiram de Cuba e hoje vivem numa pequena cidade nos arredores de Paris. Só não estão totalmente livres e felizes, porque o castigo para as famílias daqueles que conseguem fugir de Cuba é a total privação dos “benefícios socialistas”, ou seja o vale refeição, escola, saúde e moradia, transformando os pobres parentes em parias da sociedade cubana, o que é uma grande economia para o estado socialista de Fidel, já que milhares de cubanos tem um ou outro parente que fugiu. Mas o lado bom é que os fujões encontraram um jeito de alimentar um mercado negro, administrado pela elite do partido de Fidel, onde a moeda corrente é o dólar que entra aos milhares pelas mãos dos turistas, que entregam para parentes sobreviverem desse mercado negro, e assim escaparem pelo menos de morrer de fome na ilha de Fidel.

Isabel Mir/ janeiro/2008

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