terça-feira, 18 de dezembro de 2007




A galinha de vidro




Uma das coisas mais bonitas que tinha na casa dos meus avós era um porta-jóias em forma de uma galinha de vidro, numa cor entre o laranja e o ferrugem. Eu era louca por aquela galinha de vidro colorido (até hoje gosto de coisas de vidro colorido – será que tudo começou lá?).
Pois bem, um dia meus avós desfizeram-se de sua casa e foram morar com uma filha, e adivinhem quem ganhou a galinha de vidro colorido? Euzinha mesmo, sem mais nem menos. Com certeza aquela era a peça mais bonita que eu possuía, e durou vários anos nas minhas mãos: era criança quando a recebi; era adolescente quando, um dia, deixei-a espatifar-se no chão. Aquilo foi uma tragédia para mim! Juntei caco por caco e guardei tudo dentro de uma camiseta velha, na esperança de que um dia a Ciência produzisse algum tipo de cola que me permitisse refazer a minha galinha. Ela estava sempre lá, no fundo do armário, a me fazer lembrar de como fora linda e garbosa, nos seus tempos de porta-jóias, plácida e gorda galinha deitada num ninho também de vidro – como esquecê-la?
O tempo passou. Eu já tinha 30 anos quando o meu pai faleceu, tão cedo ainda! Houve toda a tristeza da doença, da morte, do enterro... Todas as famílias já passaram ou passarão por coisas assim. Meu pai morreu em agosto, e logo depois da sua morte minha mãe avisou-me que ele já havia comprado o meu presente de Natal, antes de ficar doente. Queria eu ganhá-lo logo?
- Não, mãe, deixe para o Natal, como era a vontade dele.
Quisemos que aquele Natal fosse diferente, para que não ficássemos todos dentro de casa lembrando, nos emocionando e chorando. Achamos por bem irmos todos acampar, e o fizemos. Fomos para Armação do Itapocoroy, lá onde eu passara os grandes verões da minha adolescência, e eu inaugurava moderna panela elétrica que permitia fazer todo o tipo de comida num camping, e passei a tarde do dia 24 cozinhando, fazendo desde esmerado pernil à Califórnia, até maionese de batatas e tudo o mais que pudesse compor uma boa mesa de Natal. E a noite mágica foi chegando, e nas nuvens iluminadas pelo pôr-do-sol que apareciam pelas beiras da baía de Armação já parecia que havia muitos mistérios escondidos – numa hora o sol se foi, e deixou, ainda por algum tempo, uma fímbria de ouro nas nuvens – e depois ele se foi mesmo, e o horizonte ficou róseo e azul, bem como devem ser as cores dos anjos – e nós espiávamos tudo aquilo enquanto degustávamos o jantar de Natal, e o mistério daquela noite estava mesmo aumentando e nos deixando cheios de ansiedade!
Então escureceu, e era hora de abrirmos os presentes. Os meus sobrinhos ainda eram pequenos, e havia aquela coisa do Papai-Noel ter passado por ali sem que víssemos, e olha lá a boneca nova da Rosa Maria! E olha lá a caixa nova de lápis de cor do Mteka! E olha lá o estojo de maquilagem da Anna Paula! E olha isso, e olha aquilo... quando minha mãe achegou-se a mim com um embrulho de papel de seda, e fez-me lembrar:
- O teu pai tinha te comprado o presente de Natal antes de morrer...
Só aquilo já fazia engolir em seco – cuidadosamente, desembrulhei o papel de seda... e o que havia lá dentro? Nada mais nada menos do que uma galinha de vidro igual àquela da casa da minha avó, que meu pai vira no começo do ano em alguma loja, e que aproveitara para comprar já, pois sabia o quanto eu gostaria dela! Quatro meses depois da sua morte meu pai ressuscitava e me dava aquele porta-jóias de vidro ao qual eu dava tanto valor, era como se ele viesse e me dissesse:
- “Estás vendo? Sei direitinho o teu gosto!”
Que restava a mim fazer, então, do que sentar-me na grama e chorar?



Blumenau, 12 de Novembro de 2003.


Urda Alice Klueger

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