terça-feira, 18 de dezembro de 2007

(nestor jr.)






GATO MALHADO


Quando eu conheci esse Gato que hoje está todo malhado, acho que nem a mais leve geada caíra, ainda, sobre aquela seda tão fascinante dos seus cabelos e da sua barba. Era um rapaz bonito, cheio de vida, que ensinava muitas coisas e tinha muitas histórias para contar, e que vivia com um séquito de alunos atrás dele, sempre atencioso e minucioso nas suas respostas precisas, inteligentes e argutas. Era um prazer andar atrás dele, ficar ouvindo sua sabedoria, saber da sua visão do mundo.
Uns três ou quatro anos depois, assistindo a um programa onde ele era entrevistado na televisão, dei-me conta, pela primeira vez, da leve geada que viera pintalgar sua barba de seda, seus cabelos de príncipe. Naquela altura, eu me apaixonara irremediavelmente por ele, e então tratei de guardar aquelas imagens, gravadas no velho videocassete de duas cabeças, que era o máximo da minha tecnologia de então - e até hoje posso ver a gravação daquele tempo de frêmitos e surpresas, quando voltara a ter as emoções de uma adolescente de quatorze anos, e esse Gato Malhado de hoje já perdera a flexibilidade de junco que tivera na primeira juventude, mas ainda era como um feixe de músculos que reagia aos estímulos num uníssimo impressionante. O tempo o tornara ainda mais fascinante, e aquele pintalgado de prata pelo meio da seda lhe dava um charme novo, e ele fascinava cada vez mais, e o séquito de alunos que o seguia e o admirava aumentara, e cada vez mais as pessoas inteligentes da cidade prestavam atenção ao que ele dizia, e era um prazer andar atrás dele, ficar ouvindo sua sabedoria, saber da sua visão do mundo. E como ele ficara ainda mais bonito, assim com aquela ameaça de nevasca!
Os anos correram tão rápido quanto a areia corre dentro de uma ampulheta, e ontem à noite, assistindo a outro programa de televisão onde ele era entrevistado, dei-me conta de uma coisa impressionante: meu menino está que é um gato malhado, neve para todos os lados nos seus finos cabelos de seda, na sua fascinante barba de seda – meu amor está todo colorido de prata, malhado como um gato – e lembrei da maciez dos tantos gatos malhados que existiram na minha infância, tão macios e lindos e carinhosos, e fiquei pasma, em como não me dera conta, no dia a dia, daquele aperfeiçoamento que acontecia naquele ser humano que é o mais maravilhoso de todos! Também me dei conta de que se foi a aparência de junco e a de feixe de músculos: meu Gato Malhado está todo mais macio, tomado de uma doçura nova, como se a sua sensibilidade tivesse se apurado, e a sua aparência lembra a leveza das nuvens em dia de céu azul, e ele parece fofo e aconchegante como os bebês ficam quando estão bem embrulhadinhos em macia lã. Sei que seu séquito de alunos aumentou, se é que tal é possível, e que cada vez mais as pessoas inteligentes da cidade prestam atenção ao que ele fala, e nunca ele foi tão bonito!
Apesar de o tempo ter escorrido dentro da ampulheta com uma velocidade incrível, sei que para mim também ele passou e me transformou num outro ser humano, tomara que melhor – mas cá por dentro, quando vejo ou penso no meu Gato malhado, sinto-me tão trêmula e encantada como se ainda tivesse quatorze anos.
Meu amor acabou virando o Gato Malhado mais lindo, macio e querido deste mundo – o que a gente faz com um Gato Malhado assim? Há que se amá-lo, sem nenhuma dúvida. Não há outra coisa que se possa fazer com tal doçura!


Blumenau, 24 de novembro de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora

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