terça-feira, 4 de setembro de 2007

(Mario Holetz)



Vanusa e os recomeços


Sempre gostei de Vanusa, a cantora. Trata-se de uma voz que se perdeu por aí, seja por escolhas pessoais, seja por escolha deste ser invencível e invisível que se chama mercado. É provável que quem tenha menos de 30 anos nunca a ouviu cantar. Pode até saber que se trata daquela mulher ultraloura que vez em quando aparece na televisão. Vanusa, igual a muitos artistas populares nos anos 70/80, virou uma personagem de si mesma. Alguém que envelheceu, mas ficou presa no imaginário de um tempo já remoto, em que os artistas populares, sobretudo os cantores, ainda tinham algo a dizer. Hoje, como se sabe, a maioria virou monossilábico. Qualquer verso com mais de três palavras é complexo demais para nossos popstars.


Vanusa fez muito sucesso com aquela que talvez seja a mais feminista das canções produzidas no Brasil: “Mudanças”. Começava com uma voz triste, mas firme em suas decisões: “Hoje eu vou mudar, vasculhar minhas gavetas, jogar fora sentimentos e ressentimentos tolos”. No final da canção, quase como um refrão, Vanusa declama um texto da forma mais intensa possível: “(...) Suave como a gaivota e ferina como a leoa, tranqüila e pacificadora, mas ao mesmo tempo irreverente e revolucionária, feliz e infeliz, realista e sonhadora, submissa por condição mas independente por opinião, porque sou mulher com todas as incoerências que fazem de nós o forte sexo fraco”.


Ainda gosto muito desta canção. Compreendo racionalmente seus clichês, seu discurso pretensamente libertador da condição feminina, o jogo quase artificial das palavras, mas deixo tudo isso de lado, pois a canção me emociona desde muito jovem.Daqui a dois dias, começam as “Manhãs de Setembro”. Título de outra canção emblemática de Vanusa. Desta vez um pouco menos contundente que “Mudanças”. Novamente a letra fica naquele limiar entre o popular e a auto-ajuda: “Fui eu que em primavera só não viu as flores e o sol nas manhãs de setembro. Eu quero sair. Eu quero falar. Eu quero ensinar o vizinho a cantar nas manhãs de setembro”.


Ainda não sei como serão as manhãs de setembro. É provável que muito parecidas com as de agosto. Um pouco mais quentes e azuis, espero. É provável que eu passe setembro todo sem ouvir canções que me façam bem, canções que me tragam um certo alento, um certo conforto, para além da rotina-agulha que me fura o corpo.Tudo indica que a máquina do mundo continuará seus trançados de ferro sobre minha vida. Talvez o que me resta, enquanto resisto mais um pouco, é continuar resgatando cantores e cantoras esquecidos. Apoiando-me em suas frágeis palavras. Setembro chega logo. Dois dias. O futuro, apesar de previsível, pode trazer surpresas. Até porque Vanusa também disse numa canção menos conhecida: “Nos meus gestos me confundi com tantas falhas e incertezas, mas afinal eu descobri meu futuro: meu caminho é ter sempre que me procurar!”

Setembro é mês bom para os recomeços.


Rubens da Cunha

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