segunda-feira, 3 de setembro de 2007


Saudade de mim
Alberto Cohen


O pior é essa saudade de mim mesmo, do cara crédulo e romântico que eu era e que a desvida transformou numa estátua de sal.

O original ainda mora dentro do meu íntimo, mas este que está aqui fora, o carcereiro, o que espera imóvel a vida passar, não lhe concede uma fresta pela qual envie um olhar curioso, um assobio de chamar amigos, uma risada com sabor de outros tempos, mostrando que ainda está vivo. E ele está. Apenas perdeu a identidade em alguma ponte que caiu, casa que desabou, ou Copa do Mundo que o Brasil desperdiçou.

Já o chamei de todas as maneiras, fazendo a barba no espelho, lendo poemas que escreveu quando morava no antigamente, e mesmo acenando com a alegria que ele sentia com um copo de bebida e um cigarro. Nada. Apenas tosse e ressaca.

Acredito que não quer mesmo voltar, para não se tornar igual ao que seria, se não tivesse encurtado os passos e ficado cada vez mais para trás, até se eternizar como encantado, uma entidade sem tempo, medo e angústia, que permanece jovem e bom, como quando a bondade ainda podia ser e a juventude nem se percebia.

No fundo, acho que deve continuar no seu mundo de xícaras de porcelana, rádios de válvulas e roupas de linho. O que faria agora nesse desviver cotidiano de podia ter feito e não fiz?

Que ele guarde sua alma, seu corpo de atleta, seus olhos de descobertas, sua ânsia de descobrir e, principalmente, prossiga poeta. Para que emergir?

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