segunda-feira, 30 de julho de 2007

Texto da Urda - É O BICHO!



Tem coisas que não dá para entender. Outro dia o MST ocupou uma terra que estava abandonada pelo Exército há 40 anos e a terra estava toda plantada de soja – então, poucas horas depois da ocupação, o Exército foi lá com canhões, tanques e ambulâncias, para expulsar dali as famílias com suas crianças, como se se tratasse de uma verdadeira invasão estrangeira. Na época, escrevi minucioso texto sobre o assunto, querendo saber, principalmente, o que fazia aquela soja ali, pois soja é agricultura de rico, de poderoso – e por que é que ali não se podiam plantar repolhos e outras coisas assim, agricultura de pobre? Alguém do Exército estava ganhando mamadeiras de grandes plantadores, bem cheias de outra coisa que não leite – como é que os tanques não apareceram naquela terra na hora em que a soja estava sendo plantada? Eu estava lá, e vi com estes olhos que a terra há de comer e peguei com as mãos que os bichos também irão devorar aquela soja que era um mistério, e depois interpelei as autoridades, e mandei pessoalmente o meu texto com tal indagação para as caixas postais do Presidente da República e dos ministros competentes – e ninguém me deu a mínima. Soube, no entanto, que o Exército abriu inquérito a respeito da ocupação (não da soja) lá em Curitiba, e mesmo sem ter jurisdição a respeito, está chamando civil daqui de Blumenau, que nada tinha a ver com a soja, para ir a Curitiba depor. Eu, heim?
E por aí está cheio de coisa que a gente não entende. Alguns amigos meus, em Florianópolis, estão passando o bicho por causa de um certo Bicho que se diz que é neto de outro Bicho, mas, tanto quanto sei, o Bicho atual sequer consegue comprovar que é neto do Bicho do passado, e já houve julgamento e condenação dos meus amigos, e sei que quem julgou nem leu o processo e nem o livro condenado – o que será que o juiz em questão tem a ver com o Bicho?
Como a gente está num país (e num mundo) onde quase tudo está muito controverso (tem gente que acredita que nos Estados Unidos existe uma democracia, e também tem gente que acha que a ditadura grega do tempo das ágoras, onde mais ou menos 10% da população – homens adultos, cidadãos livres – mandava e os outros 90% - mulheres, escravos, etc. – obedecia, era o máximo), achei por bem perguntar para o meu advogado se eu podia escrever sobre os dodóis do Bicho sem que o juiz que pôs curativinho neles (curitavão, há que se dizer: indenização por danos morais e livros na fogueira, a própria Santa Inquisição solta por Santa Catarina!) tivesse motivos para me botar em cana ou me pedir, também, indenização por danos morais. (Ah! Se a moda pega, começo a pedir indenizações também!). Sabem o que disse o meu advogado? Que com a justiça não se mexe, esteja ela certa ou errada. E o Lalau, como é que fica? Nunca ninguém poderia cobrar do Lalau, só porque ele é juiz?
Na verdade, estou com uma baita vontade de vomitar. Para piorar a situação, no domingo, espiando o Fantástico, acabei vendo reportagem onde aquele programa de tão diferente naipe se deleitou em malhar a justiça do Paraná, porque se negara a deixar entrar numa audiência trabalhista sem sapatos um pobre desempregado que de calçado só possuía o seu chinelo “de dedo” – não é todo o dia que se pode falar bem do Fantástico, mas naquele dia ele estava certíssimo – tanto quanto se está procurando apurar (já vi diversas coisas correndo na Internet, a respeito), não há lei neste país que obrigue a desempregado ou empregado a possuir lustrosos sapatos para adentrar a um Fórum. Então pergunto: por que o Fantástico pode criticar justiça e juiz para todo o país, e eu não posso escrever uma linhazinha a respeito da (in)justiça que alimenta Bichos no meu Estado? Será porque o Fantástico pertence a uma grande cadeia de televisão repleta de acionistas ricos, e eu sou uma pobre escritora de província, a quem ninguém dá importância, como aconteceu quando pedi para saber sobre aquela soja na terra do Exército? Alguém pode me responder? Heim? Heim?
O caso é que o tal Bicho processou os meus amigos, o escritor Amílcar Neves e o editor Chico Pereira, gente dileta do meu coração, mas poderia ser estranha que daria na mesma, pois injustiça é injustiça, e sem conseguir sequer comprovar que o Bicho do livro era o Bicho seu avô, sentiu-se todo cheio de dodóis e disse um monte de bobagens, e misturou os textos do livro (é uma peça de teatro em diversos atos e com diversos personagens) e disse que a fala tal, que era dirigida a um personagem, e a outra fala, que era dirigida a outro, que tudinho tudinho no livro tinha sido dirigido ao vovozinho que ali no livro era apenas um personagem de teatro, e que acabou quase como ladrão, pois roubou as falas dos outros personagens – não quero falar do Bicho antigo, estou falando do Bicho espertalhão de agora, que conseguiu fazer a salada e botar na boca do seu pretenso avô coisas que nem no livro não está – ou será que de espertalhão o Bicho não tem nada, não sabe, mesmo, é ler direito, e foi na conversa de outros ignorantes e/ou espertalhões, quando bateu às portas da justiça pedindo curativo pros dodóis que sentia , frisson de netinho injuriado?
Eu não arriscaria dizer que o juiz que julgou a causa também não soubesse ler e não tivesse lido o livro, como seria de justiça, para poder agir salomonicamente, pois para ser-se juiz é necessário estudar-se um bocado, embora cada um de nós saiba que, como sempre, em todas as classes de todas universidades, têm aqueles alunos que fazem o curso na flauta, para não dizer coisa pior, e mandam fazer fora seus trabalhinhos universitários, o que também é de conhecimento público, e depois, das universidades, saem engenheiros que constroem pontes que caem e médicos que esquecem tesourinhas dentro da barriga dos pacientes.
Não vou dizer que o tal Dr. Juiz do qual só o Fantástico poderia falar tenha feito tal coisa, mas que julgou sem ler o livro, lá isso julgou! E então os meus amigos agora tem que pagar bem saborosa indenização (para quem gosta de dólar: dá 7.500 dólares, um dinheirão, dá para qualquer Bicho fazer a maior viagem!), além de multas e da incineração do livro – talvez não seja armada fogueira em praça pública, afinal – enfim, aqui é a Santa e Bela Catarina, terra de gente desenvolvida, e ia ficar feio ver um monte de gente fotografando aquele monte de livros queimando, como numa certa Noite dos Cristais, tão a gosto de certos catarinenses, quem sabe até do Bicho – sabe-se lá o que aquele sujeito pensa! – mas vai ter que haver a fogueira, provavelmente no escondidinho, pois fica feio um monte de gente saber que a Santa Inquisição é coisa ativa por aqui, e ainda têm os dodóis do Bicho, que, decerto não há de querer que se saiba que ele confundiu até juiz com os dodóis que sente quando se fala daquele que teria sido seu avô ... Ô Bicho, que coisa mais feia! É de desanimar qualquer cidadão de bem, qualquer escritor que acredita na sua profissão, qualquer historiador decente! Sempre gostei tanto de bichinhos... nunca pensei que um dia a vida virasse o Bicho!

Blumenau, 26 de Junho de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora e historiadora

2 comentários:

Marco Struve disse...

Ficou lindinho

Arian disse...

Marco... continuas sensível como o azul que nos cobre diariamente... te esparramas sobre nós, tal como a batatinha quando nasce... sempre um prazer, e sabes o quanto isso é fruto da verdade... ler e reler um pedaço do teu ser em alma espalhada pelas letrinhas agora virtuais... isso me lembra corpos tatuados, telas tatuadas, almas marcadas e agredidas de outros tempos, que quase parecem imemoriais de tão arraigadas no espaço-memória. O teu azul tatua a água do meu imaginário e dá margens para aportar imagens ainda não desenhadas. Abraço amigo. Arian