terça-feira, 21 de agosto de 2007

(Mario Holetz)





FLOR DESFOLHADA E A UTOPIA DA ESTRELA



(Para J.G. B. de O.)


O Príncipe-dos-Campos-de-Verde-Veludo, em dia de alegria e grande ânimo, chegou para Flor Desfolhada, Aquela-que-não-era-nada, e prometeu com grande entusiasmo:


- Olha, dá-me umas horas! Vou buscar para ti a estrela mais bonita, a mais luminosa de todas, aquela colhida lá perto do Pólo Norte! É uma estrela que tudo viu e que tudo sabe sobre o que aconteceu lá, e eu vou buscá-la para ti!


Flor Desfolhada sabia que aquela estrela era muito especial, a mais especial de todas, e por um momento, um tempo que foi se emendando no outro, de repente nem se sentia mais Flor Desfolhada, Aquela-que-não-era-nada, pois se vestiu de raios de Esperança e sentiu-se maravilhosa, como uma camélia colorida, quiçá uma rosa em manhã de Primavera - não estava o Príncipe mais fantástico de todos prometendo-lhe a estrela mais maravilhosa do mundo?



Aos poucos, porém, suas pétalas de rosa e de camélia foram caindo, quando ela viu que não era verdade, que o Príncipe-dos-Campos-de-Veludo-Verde, mais uma vez, prometera-lhe coisa falsa, como já fizera outras vezes. Na verdade, estrelas como aquela que ele prometera havia em grande número, um enorme baú cheio, quem sabe 5.000, quiçá 10.000 – quer dizer, eram estrelas parecidas, parecidíssimas – quem não o soubesse poderia até pensar que eram iguais à estrela do Príncipe, mas Flor Desfolhada sabia que não eram, que a estrela do Príncipe era única e insubstituível, e não quis nenhuma que fosse inferior, pois como a estrela do Príncipe não havia nem haveria nenhuma outra sobre a face da terra. Flor Desfolhada acabou sabendo que o Príncipe passava por dissabores na sua corte, e foi se conformando – decerto que esquecera. Era melhor pensar assim, pensar que eram esquecimentos as promessas falsas, e eram tantas! Ficou a pensar nas muitas outras promessas não cumpridas, na transparência das águas que um dia ele ia lhe mostrar e não o fez; e nas mangueiras de Belém, que ele disse que iria tirar de um alforje para que ela visse, e jogou o alforje fora; e nas audiências prometidas e depois calcadas sob o tacão de cristal da sua bota de Príncipe; e no raminho de urze que ele achou coisa inferior para um Príncipe botar no bolso do casaco para ela ver – e aí ela se lembrou que passeou pelo veludo verde dos campos dele e não teve pejo de colher desde as mais tenras flores até os mais espinhudos espinhos para fazer um arranjo para a sala de sua casa – mas ela era Flor Desfolhada, Aquela-que-não-era-nada, aquela que não significava nada, que não tinha direito a coisas como urzes, ou águas transparentes, ou alforjes contendo relatos – mas como ela queria aquela estrela única, aquela colhida perto do Pólo Norte, aquela que o Príncipe lhe prometera um dia, tão cheio de entusiasmo e felicidade!


Flor Desfolhada nada tinha a fazer a não ser seguir a sua vida sem pétalas, e teve um enorme assombro quando um dia, só de brincadeirinha, ela lembrou ao Príncipe da estrela única prometida, pois na verdade já não esperava por ela, pois, como as outras coisas, a urze, as águas transparentes, os alforjes de histórias, ele acabara esquecendo – e mesmo sendo ela Aquela-que-não-era-nada, que não servia para nada, ficou pasma quando o Príncipe desembainhou a sua espada flamejante e partiu para cima dela com um fardo de não-verdades, como se mentira ela tivesse dito, e ela tentou se defender, e reuniu provas como se tentasse se livrar de um inexorável tribunal como o de Nuremberg, mas ela é apenas Flor Desfolhada, a que não é nada, a que não vale nada, a que nada vale ... e decerto um Príncipe que reina em campos de Verde Veludo não irá se importar que uma Flor Desfolhada seja ceifada de uma vez por todas, para sempre, como se faz com as ervas daninhas: afinal, ela já nem tem pétalas mesmo, e ele é o Grande Príncipe dos tacões de cristal – como é que uma Flor Desfolhada, bagaço de um jardim, pôde um dia pensar de verdade que um Príncipe tão maravilhoso iria mesmo buscar uma estrela única, nascida lá perto do Pólo Norte, para ela se sentir um pouco camélia e um pouco rosa da Primavera, outra vez, por um pouquinho que fosse?


A violência da espada flamejante do Príncipe não permitiu sequer que ela se finasse devagarinho, que fosse decaindo, entortando, morrendo aos poucos, como compete a uma flor que já nada vale, que já não tem pétalas, que já para nada serve... A espada do Príncipe despedaçou sua corola desprovida de pétalas, seu caule que já começava sua degenerescência, picou em pedaços as raízes que, quem sabe, um dia poderiam, ainda, vir a brotar de novo... Não houve sequer a clemência que poderia ter havido num tribunal como o de Nuremberg, caso se analisassem bem as provas – Flor Desfolhada não teve sequer o benefício da dúvida.


Nunca mais haverá Primavera para Flor Desfolhada. A estrela mais bonita e luminosa de todas ficou perdida no espaço, talvez tenha sido engolida por um buraco negro. Pelos caminhos da magia, os tacões de cristal das botas do Príncipe-dos-Campos-de-Verde-Veludo soltam chispas como se fosse dia de trovoada.



Blumenau, 17 de Agosto de 2007.

Urda Alice Klueger
Escritora

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