segunda-feira, 6 de agosto de 2007

(Nestor Jr. - Poster)



BARTOLOMEU – COMO OUVIR SINOS



(Para Bartolomeu Moreira Monteiro)

Ontem aconteceu uma coisa que para mim foi como ouvir sinos tocando ao cair da tarde: Bartolomeu, meu sobrinhozinho, do alto dos seus sete anos, ficou sócio da Biblioteca Pública Municipal Dr. Fritz Muller!
Que revoadas no tempo que aquela notícia me fez ter; que sabor de delícia me trouxe à boca! Primeiro, por Bartolomeu ser ainda tão novinho: no tempo em que eu era criança precisava-se ter 12 anos para poder se associar à mesma então vetusta biblioteca, que perdeu 30.000 livros em 1983, na Grande Enchente, o que me fez chorar, quando lá cheguei depois da baixa das águas, e vi os livros que tanto amara amontoados, inchados de tanta água, irrecuperáveis, aguardando o caminhão do lixo!
E Bartolomeu, que para mim, no começo, fora apenas uma foto de recém-nascido no sítio da Internet de uma maternidade de São Paulo, de repente já é sócio da primeira ampla biblioteca da minha vida! Como foi que tudo aconteceu tão depressa?
Na sua curta vida, Bartolomeu já viveu em diversos lugares deste Brasil, e eu o conheci em julho de 2001, no centro do Rio de Janeiro, quando tinha pouco mais que dois anos, mas já era um espadaúdo menino de grande docilidade, que absolutamente não se importava de ser transportado no leve e ágil carrinho que a minha sobrinha Anna Paula usava para ter facilidade de locomoção no meio daquele trânsito carioca, e ele era simpático como se já fosse um menino grande, e tão loiro quanto as crianças da Itoupava Rega[1]. Bartolomeu também já era corajoso, naquela época: fomos fazer um lanche na Confeitaria Colombo, e depois dos docinhos deliciosos, ele absolutamente não se negou aos maracujás ácidos, aos pedaços de abacaxi cheios de azedume, aos gomos das laranjas que absolutamente não eram doces! Aquele pequeno menino que já parecia saber tanto ainda não aprendera uma coisa: por mais que se pedisse a ele para sorrir na hora das fotografias, ele ficava muito sério esperando o flash – para só depois soltar o riso! Dava de morder na bochecha, de tão querido que era!
De novo o vi pouco depois, quando a bisavó Minervina fez oitenta anos e todos os descendentes do Brasil vieram. Ele era uma doçura de menino, que muito brincou com a priminha Alice no chão de minha sala. Liberei para eles a caixa onde guardo os enfeites de Natal, e apesar de ser outubro, minha casa quase que virou uma casa natalina. Ah! As fotos, as fotos daqueles dias felizes, tão lindas são!
Houve algumas outras viagens, aí no meio, e um acampamento cheio de Sacis-Pererês no verão passado, e agora faz meio ano que Bartolomeu veio morar em Blumenau, e tenho a sensação de que dentro dele aconteceu uma coisa meio chocante: na nova escola, na nova vida, ele é apenas mais um menino loiro, tantos há por estas bandas para onde os alemães e outros imigrantes europeus vieram dar com os costados no século XIX. Mas isto é suposição minha, não tenho como ter certeza.
E então ontem, sem ter o menor preparo no coração, fico sabendo que Bartolomeu se tornara sócio da Biblioteca Pública Municipal Dr. Fritz Muller, a mesma pela qual um dia eu ansiara tanto!
O meu sonho de consumo de criança era chegar aos 12 anos para poder me associar àquela biblioteca. Já contei tal coisa em dúzias de entrevistas, mas registro aqui também, pois talvez um dia Bartolomeu venha a gostar de saber. Até os 12 anos, eu havia lido tudo o que havia na minha casa, nos meus parentes, nos meus vizinhos e na minha escola – e isto incluía as Enciclopédias Barsa e Delta Larousse inteiras! E nunca que chegava aos 12 anos, para poder, enfim, ter a mágica carteirinha que viria me abrir as páginas de todos e quantos livros eu quisesse!
E então ontem, aos sete anos, Bartolomeu ficou sócio da Biblioteca dos meus sonhos! Meu, aquilo foi muito lindo de saber, saber que agora as crianças podem se associar às bibliotecas tão logo queiram; saber que aquele menininho que um dia brincou em outubro com os enfeites de Natal já está tratando de reservar para si uma grande florada e uma grande colheita de muitas histórias e livros! Ouvir aquilo, para mim, foi como ouvir sinos tocando no silêncio da tarde!
Parabéns, meu loirinho mais querido do mundo! Ah! Se todas as crianças tivessem sua carteira de sócios de biblioteca aos sete anos!


Blumenau, 07 de fevereiro de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora e tia.
[1] Bairro do interior de Blumenau, que tem como uma das características a quase totalidade de crianças loiras.

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