quarta-feira, 28 de novembro de 2007

CAMINHOS DE PORTO ALEGRE


54ª Feira do Livro de Porto Alegre, entre gostos e alguns desgostos. Mil tentações para comprar dentro dos dias de calor, nas barracas sombreadas por árvores florescidas de milhões de florinhas azuis, mas sempre a lembrança da pilha de mais de cem livros esperando leitura, e limitei-me a alguns presentes de Natal para as minhas crianças.
Não tive como deixar de comprar, no entanto, um caminho. Havia diversos deles, diferentes perspectivas daquele mesmo caminho que era o caminho do pintor João Piosan, gaúcho, e eu estava triste, era o último dia de estar aqui e eu estava triste. De repente, diversos ângulos do caminho daqueles quadros como que me abriam uma perspectiva, faziam com que eu pensasse num caminho possível, lá adiante, no longínquo horizonte do fim do túnel do tempo, e mesmo com o dinheiro já curto, não resisti em comprar um quadro daqueles.
Olho-o agora, no meu colo, na rodoviária, esperando para ir embora. O caminho que eu comprei é ladeado por duas casinhas brancas, com jeito de lusas, meros detalhes para um caminho ladeado de exuberante verde e que tem, diante de uma das casinhas, a sombra de IMENSA árvore florida de rosa e branco, mas tudo, as casas, as plantas, a florida árvore, tudo é detalhe: o dono do quadro é ele,o caminho, que passa diante das casas, e debaixo da sombra das flores, e decididamente se vai adiante, em direção de um futuro que talvez seja o meu – senão, por que aquele caminho teria me hipnotizado assim, me atraído como se fosse um ímã, a ponto de eu não sossegar enquanto não comprei um daqueles quadros?
Tento, então, imaginar para onde ele vai. Decerto ele vai para onde eu gostaria que ele fosse, isto é, para um tempo onde toda a gente do mundo possa ter saúde, alimento e acesso à educação, e onde cada ser humano tenha direito a uma casinha branca com árvore de flor na frente, e tal coisa é fundamental para a minha felicidade, pois dói tanto em mim a dor do mundo!
Aquele caminho, porém, vai mais adiante ainda, e dá diversas voltas que eu posso ver, e quantas dará que eu não vejo?
Penso que nesse especial caminho que eu não vejo está o meu futuro, e lá adiante, muito adiante do quadro, bem distante das demais, haverá uma casinha branca e simples, com duas janelas simples do lado, mas com tamanho suficiente para abrigar uma felicidade IMENSA, porque lá no meu futuro, quando as minhas mãos já estarão cheias de dores, naquele tempo que eu chamo de Tempo da Artrite, precisará haver uma casinha branca, ou alguma outra, não importa qual, mas precisará um lugar para viver a felicidade incomensurável de poder cuidar do meu Passarinho! O que eu não faria para poder viver tal felicidade?
E então estou aqui a olhar o caminho e a imaginar cada momento, cada detalhe de um tempo que um dia virá, e de como, mãos encarquilhadas pela artrite, sentaremos juntos, apoiados um no outro, sob uma árvore como aquela do quadro, nas tardes de setembro, e a brisa leve do sul do mundo virá e fará com que algumas flores caiam sobre nós e sobre a felicidade vislumbrada, e então lembrarei dessa Feira do Livro de Porto Alegre que já terá ficado para trás no tempo, e de como achei este quadrinho nela, o todo o longo caminho que o quadro mostra me acendeu em alegria, pois lá longe, lá bem longe, haverá uma casinha branca e uma chuva de flores caindo dentre a brisa da tarde, e então será o tempo de só ser feliz!

Porto Alegre, 08 de Novembro de 2007.


Urda Alice Klueger
Escritora

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