segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Nossas mãos estão sujas de sangue
Por Ricardo Machado

Primeiro, ainda no século XVI, trouxemos a espada e a cruz. Com a guerra tiramos suas vidas e com Cristo roubamos suas almas. Em seguida, roubamos sua terra, estupramos suas mães e filhas e escravizamos seus irmãos. Ainda os presenteamos com a sífilis, a varíola e a gripe. Com este violento contato, suas mortes sempre estiveram na casa dos milhares.
Séculos mais tarde, precisamente na metade XIX, trouxemos a civilização, a propriedade privada e os bugreiros para o Vale do Rio Itajaí-Açu. Estes caçadores de bugres usaram do extermínio em massa para legitimar a existência e o domínio de nossa civilização. Diante disso, restaram alguns poucos que por fraqueza, doença ou desesperança não se lançaram contra nossas armas. E destes poucos sobreviventes, ficamos orgulhosos de termos conseguido “pacificar”.
Desde então, o darwinismo social e o liberalismo econômico garantiram sua morte cotidiana. Morte feita a prestação para não nos deixar chocados. Morte sutil, mas não menos cruel, que é feita diariamente através da fome, do empobrecimento e da invisibilidade cultural.
Hoje lhes negamos uns míseros pedaços de terra em Gaspar. Terra que nada representa diante de tudo que já tomamos e destruímos. Além disso, nossa arrogância etnocêntrica e frágil compreensão do processo histórico ainda nos permite acusá-los de vagabundos e indolentes.
Há aqueles que acham que no futuro nossa civilização será lembrada pelas palavras “progresso” e “desenvolvimento”. Para estes, eu afirmo: Nós seremos lembrados pelas nossas mãos sujas de sangue.


* O autor é Historiador

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