quarta-feira, 28 de novembro de 2007

A Professora Beth, de Três Barras

A Professora Elizabeth Pacheco, da Escola de Educação Básica Colombo Machado Salles, em Três Barras, no Planalto Norte catarinense, anda uma arara comigo. Estivemos juntos no dia 1 o de novembro, lá mesmo em sua cidade, e tudo foi uma festa enorme, com muito carinho e simpatia vindos de todos os lados. A Beth e o Edson, professores de Português, com o apoio decidido e decisivo do Lula, diretor do colégio, trabalharam exaustivamente com seus alunos de ensino médio a leitura do livro de contos Relatos de Sonhos e de Lutas, relacionado para os vestibulares da UFSC e da UDESC (neste, a obra veio a ser objeto de cinco questões).

Três Barras é parte importante da História de Santa Catarina: por lá foram largadas, após o término da obra, duas mil das oito mil pessoas que a Brazil Railway contratou para a construção da estrada de ferro que ligou o Estado de São Paulo ao Rio Grande do Sul. Em seguida, instalou-se na povoação, em 1910, a Southern Brazil Lumber & Colonization Company , uma empresa estadunidense do mesmo dono da Brazil Railway . Em 1913, quando iniciou oficialmente suas atividades, a Lumber era, desgraçadamente, "a maior serraria da América Latina". Começou operando, isto é, devastando a floresta onde imperavam araucárias, imbuias e outras espécies nobres e centenárias, numa faixa de 15 quilômetros de cada lado de toda a ferrovia, área generosa que lhe foi doada pelo governo federal em troca da implantação da estrada de ferro. Para explorar "suas terras", a Lumber expulsou a ferro e fogo quem nelas vivia, dando origem à Guerra do Contestado, primeiro conflito no mundo em que o avião foi usado como arma de combate, para desgosto supremo de Alberto Santos=Dumont.

Nesse cenário histórico, a Professora Beth está uma onça comigo e me obriga a escrever na primeira pessoa do singular. A indignação é tão grande que ela faz questão de iniciar sua mensagem eletrônica de forma gelidamente protocolar: "Caro senhor: Eu, professora Elizabeth Pacheco (e passa então a qualificar-se como quem redige uma procuração ou inicia um processo judicial), lhe escrevo para retratar minha 'mágoa' com sua pessoa". Por minha exclusiva culpa, ela sofreu em penoso silêncio durante duas semanas inteiras, desde o dia 7, quando publiquei neste espaço uma crônica comentando as maravilhas do Projeto "Encontro Marcado com o Escritor Catarinense" e fazia referência ao fato de um livro de literatura chegar, por obra e graça do projeto, aos recantos mais recônditos do interior do município de Canoinhas, até o dia 21, quando ela se convenceu de que eu não iria mais registrar o empenho vitorioso dos professores da sua escola no incentivo dos estudantes à leitura de obras literárias.

Na verdade, durante sete dias úteis seguidos passei por cinco cidades do Planalto Norte e do Meio-Oeste. Em algumas, como é o caso de Três Barras, apenas uma escola participou do projeto; em outras - Caçador é um exemplo -, foram nove as escolas envolvidas. Ficou difícil falar individualmente, neste espaço tão exíguo, de tanta gente brilhante e dedicada.

Sua pergunta, no entanto, é candente e continua queimando-me os ouvidos: "O que fizemos não estava de acordo com os propósitos do escritor ou da entidade patrocinadora?"

Em absoluto, caríssima Beth, vocês todos se superaram pelo amor ao livro e à leitura, atitude que somente os iluminados podem ter. Eu é que te devo duas descobertas marcantes: graças às tuas pesquisas, pude ler na Internet dois artigos sobre o meu livro que me deixam ruborizado, assinados por pessoas que sequer conheço, Marco Antonio de Mello Castelli e Luiz Horácio . Por isto é que evitava falar na primeira pessoa do singular. Por ti, violei a regra.



(Amilcar Neves, escritor)

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