quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Uma guerra, que maravilha!

Uma guerra opera milagres econômicos inimagináveis: as empresas produzem e vendem a rodo não só armamentos, de balas de metralhadora a prodígios de extermínio em massa, como bombas, aviões, submarinos e centrais de comando & logística, mas também roupas, comidas e drogas alienantes, expedientes de suporte a soldados que, cada vez mais (graças aos avanços avassaladores da tecnologia em tempos de guerra), matam mais e melhor sem precisar ver a cara, os olhos, o pavor do inimigo sob sua mira implacável, um inimigo alcançado a distâncias sempre maiores - distâncias confortáveis para aplacar consciências e evitar pesadelos dolorosos -, até o dia de serem esses soldados, reciprocamente, atingidos à distância de forma igualmente implacável. A economia do inimigo também cresce na guerra.

De certa forma, uma guerra opera, ainda, milagres ecológicos significativos, desde que muita, muitíssima gente morra, abrindo espaço para a sobrevivência da espécie e aliviando a pressão insuportável sobre os recursos naturais decorrente da necessidade de garantir água, comida, roupa, remédio, habitação e conforto para bilhões de seres humanos. Morrendo muita, muitíssima gente, sobra mais para todos, isto é, para todos aqueles que sobrarem, ou sobreviverem à ação depurativa das guerras. Neste benefício das guerras não há espaço, claro está, para feridos, mutilados, incapacitados, deficientes e prisioneiros, para gente improdutiva de qualquer espécie (poetas e artistas, por exemplo, são improdutivos por natureza e tendência mórbida): é necessário que todos esses morram bem morridos para que o resto da humanidade se valha da redução brutal dos índices de densidade demográfica e ocupação do planeta.

Uma guerra desfruta da virtude adicional de criar heróis nacionais e estimular aventuras totalitárias de cunho e/ou respaldo militar, circunstância que faz a delícia de muita gente, incluídos aí políticos sem voto, desprezados pelo seu povo. Trata-se, enfim, de uma espécie de vingança deles, sua oportunidade de mostrar o que querem fazer "para o bem de todos", independente da vontade de todos, mesmo que contra as aspirações da maioria.

As guerras despertam e alimentam sentimentos universais de patriotismo, o que favorece enormemente a construção de opiniões unânimes de coesão popular, coisa que costuma ser chamada de consenso e tratada como indiscutível e inquestionável sob as penas da traição.

Guerras custam caro (razão por que dinamizam tão extraordinariamente a atividade econômica). Modestos, os governos (que as patrocinam) de hábito diminuem sua participação nesse excepcional processo de alavancagem da economia. Como informou, por exemplo, o jornal Washington Post do último dia 13, "o custo total da guerra no Afeganistão, iniciada em 2001, e no Iraque, desde 2003, já atingiu US$ 1,5 trilhão para os EUA - quase o dobro do que se acreditava até agora". Isto é maior do que o PIB do Brasil (1,2 trilhão) e significa uma conta de cinco mil dólares para cada estadunidense - incluindo as criancinhas e aqueles que não têm onde cair morto. E os abutres ainda querem invadir o Irã...

Só no Iraque já morreram mais de 3.850 jovens (militares) dos EUA - quase nada, se comparados aos 375 mil iraquianos (civis) desaparecidos. E quanta gente já morreu por lá?

O punhal mortífero que a sociedade estadunidense ainda não percebeu cravado nas suas costas é que um quarto dos seus 800 mil sem-teto é formado por veteranos de guerra. Mais grave: após o Vietnã, levava dez anos para um ex-soldado virar mendigo; hoje, mendigam, desajustados, jovens veteranos do Afeganistão e do Iraque, guerras que sequer terminaram.


(Amilcar Neves, escritor)

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